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O luto nunca é um fim

A atual pandemia obrigou-nos a sentir (...) a linha ténue que divide os conceitos de vida e morte

No percurso da vida, sendo a morte um facto inquestionável, a forma como aprendemos a olhar o presente e a projetar o futuro deixa-nos impreparados para as perdas assim como para o que consideramos o fim desta existência.

A atual pandemia obrigou-nos a sentir, numa lógica de proximidade, a linha ténue que divide os conceitos de vida e morte e a enfrentar, com muita dor e sofrimento, a constatação da fragilidade da humana.

A verdade é que mesmo sem darmos por isso estamos constantemente a enfrentar perdas e a desenvolver processos de luto. O ato de crescer é uma sucessão de conquistas e perdas que nos obriga naturalmente a arquivar momentos e histórias, agarrando o que de novo nos vai surgindo. Por muito que se queira gravar o passado, a história continua e voltar atrás é uma impossibilidade. Se para alguns a nostalgia acompanha o percurso de vida, outros arrastam as más recordações num ciclo de peso pesado que constrange a construção da continuidade.

Luto é isto mesmo, tentar negar quando a dor da perda é insuportável, com tristeza, zanga e revolta, adiando a constatação da inevitabilidade. Aceitar que tudo o que ficou para trás, seja bom ou seja mau, é nosso mas não tem que determinar o futuro.

Lugares de infância, loucuras da adolescência, conquistas de adulto, são tão nossos como deixam de o ser. O mesmo acontece com as pessoas que amamos, um dia, sempre, ou nunca da mesma maneira. O importante é não sentir culpa nem agarrar padrões ou modelos predefinidos. Cada um tem o seu tempo, o seu estilo e a sua relação com o objeto da perda.

É natural ficar triste, zangado, chorar, querer negar, não querer ouvir frases feitas ou tentativas de cura através de rápidas soluções. Em cada lágrima há uma história, momentos e emoções. Chorar permite desconstruir e reedificar. Se pudéssemos, haveria sempre momentos que gostaríamos de congelar, torná-los eternos, fixá-los na nossa realidade. E porque não? Desde que nada nos impeça de continuar.