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Quase meio milhão de portugueses são de direita radical?

Nos resultados da recente eleição para a presidência da república, o terceiro lugar foi alcançado pelo líder do ainda jovem partido CHEGA, somando 496.773 votos, representativos de 11,9 % dos votantes. As posições públicas e o discurso político deste partido, remete-o para o que se convencionou apelidar de direita radical. Entre outras coisas, sabemos através do seu dirigente, que para este partido os ciganos são uns subsídio-dependentes, os emigrantes vêm tirar o que não chega para os portugueses, os de orientação sexual diversa são gente “esquisita”, a república vigente está caduca, a atual constituição tem de ser revista, há que atribuir lugares vagos nas assembleias legislativas aos votos em branco, etc, etc. É uma espécie de rejeição global e integral do sistema político vigente. No entanto, não me parece que o CHEGA seja um partido de índole fascista, pois se o fosse, o tribunal constitucional já o teria ilegalizado, ou não o teria aprovado, ou será que, não é assim? Surpreendente ou talvez não, é o facto de perto de 500.000 portugueses lhe tenham atribuído o seu voto. Serão todos estes eleitores adeptos de uma direita radical? É evidente que não. Há razões que poderão explicar o porquê de um número tão expressivo de eleitores terem confiado o seu voto a este emergente partido. E tais razões são observáveis e audíveis, aqui, ali e acolá. Desde logo a fadiga das nossas instituições democráticas que não respondem aos anseios das populações, gerando uma insatisfação assinalável em face dos parcos resultados alcançados após quase 47 anos de democracia. Sucessivas crises financeiras, a última das quais colocou a nação a injetar milhares de milhões de euros nos bancos, entrada em cena de troikas e austeridade, alinhamento europeu para metas cuja economia não consegue acompanhar, doses maciças de clientelismo, cunhas e jeitinhos, sendo o sucesso e as oportunidades de cada um em função do seu círculo social ou dos contactos granjeados e por fim, as linhagens familiares nos partidos, nas academias, nos governos, nas empresas. O país continua refém de um “vira o disco e toca o mesmo”, como se constata nos rankings europeus, onde um dos últimos lugares é sempre seu. Um país onde o talento é uma maldição; um país onde as pessoas não conseguem ter vidas proporcionais às suas aptidões; um país onde as pensões mínimas não são um convite a viver; um país onde as gerações mais novas têm enormes dificuldades em autonomizar-se, vivendo existências de grande precariedade; um país onde não há a garantia de quem hoje inicia a sua vida profissional possa vir a ter um sistema de segurança social que garanta uma pensão (digna) na velhice; um país democrático com um parlamento nacional que se furta aos referendos, como foi o caso da recente legalização da eutanásia, mesmo com uma petição a favor de uma consulta popular, com cerca de 95.000 assinaturas; um país onde os licenciados saem da faculdade e vão ganhar uma remuneração miserável correspondente ao ordenado mínimo, não podendo almejar possuir a sua casa e/ou constituir família, sendo as dificuldades e frustrações uma linha contínua; um país onde se fica meses à espera de uma consulta médica ou para uma cirurgia; um país onde o acesso à justiça é caro, enferma de lentidão e os mais bem instalados dificilmente são responsabilizados; um país onde o combate à corrupção através de uma legislação de malha fina, continua adiado; um país onde o Estado é mais usado como rede clientelar do que como rede de proteção social. Mesmo assim, dirão alguns que comparativamente, estamos melhor do que antes da revolução de Abril. Era impossível que não estivéssemos, com a quantidade embriagante de fundos europeus que o país recebeu após a sua entrada na União Europeia. A questão é que poderíamos e deveríamos estar muitíssimo melhor, quando comparados com os países da união europeia que connosco a integram. Ora perante o desencanto que é propício ao surgimento de populismos, é percetível que as pessoas que votam no líder do partido CHEGA, não o fazem por serem fascistas ou porque militam numa expressão radical de direita conservadora, mas antes porque estão fartas de constatar que o modelo democrático que emergiu da revolução dos cravos, sempre teve potencial para vingar, mas não consegue, atribuindo grande parte da responsabilidade pelo seu deficiente funcionamento, aos partidos que desde o 25 de Abril de 1974 se revezam, à vez, na condução deste país.

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