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Quando a culpa não é só do mordomo

Já tenho saudades do tempo em que a culpa era do mordomo. Não havia motoristas suspeitos, nem sequer o corpo de segurança da Polícia de Segurança Pública era culpado por o carro onde um ministro vinha como passageiro ter circulado mais depressa, a uns míseros 168 quilómetros por hora. Os tempos mudaram, é um facto. Hoje em dia é difícil encontrar um mordomo que tenha sido autor de um crime, mas lá motoristas e taxistas (leia-se presidente da maior associação do sector), estão todos ricos.

O finalmente ex-ministro da Administração Interna encheu-se de vergonha e perante os factos, deu finalmente o braço a torcer, deixando a apetecida cadeira. Não sei onde andava António Costa, que podia ter prescindido de um governante que nem sabe fazer contas, porque ainda não se descobriu se dentro do carro vinham quatro ou cinco almas. Todos eles, fossem quantos fossem, sabiam que estavam a meter a pata na poça, fingindo que nem tinham passado lá perto, nessa semana. É vergonhoso. É lamentável. Começando no motorista, que afinal manda mais do que o ministro e acabando no ministro, que pelos vistos só apanhou boleia porque perdeu o comboio que saiu de Portalegre em direção a Sete Rios. Nada disto aconteceria se estivéssemos nos países nórdicos, onde os governantes andam de transportes públicos e de bicicleta. Mordomias, digo eu. Coisas do tempo dos mordomos, essa espécie rara. Nos Países Baixos, o primeiro-ministro cruza-se de bicicleta com outros transeuntes, iguais a si. Na Nova Zelândia, há umas semanas, uma deputada entrou em trabalho de parto e agarrou na sua “bike” em direção ao hospital. Nada de motoristas, corpo de segurança pessoal ou afins.

Daqui a menos de dois meses, se tudo correr bem, já teremos um esboço de Governo da República. De maioria, espera-se. Para sairmos desta geringonça enguiçada onde entrámos, com o Jerónimo, o mordomo, e a Catarina, a governanta, a gritar todos os dias que a culpa não é deles. Nunca vi partidos a definhar a exigir eleições antecipadas, correndo o risco de desaparecerem do mapa. Neste caso, dois partidos suicidas, ambos de uma minoria de esquerda. Mas eles lá sabem. Vamos vê-los nas próximas semanas como lobos vestidos com pele de cordeiro, sem motoristas ou mordomias, a falar mal dos socialistas com motoristas com quem se deitaram nos últimos seis anos. Seja quem for que vencer as eleições de 30 de Janeiro, que acenda a luz do quarto onde vai entrar, para ver com quem se deita. O meu conselho é que namorem antes de casar, porque os custos desse divórcio são suportados pelo povo que já não aguenta tanto motorista, tanto mordomo e tanta governanta.