Crónicas

Travessuras do amado líder

Há um provérbio malaio que diz: aquele que monta o tigre, já não pode desmontar.

Foi o que fez há seis anos o amado líder que, tendo perdido eleições, criou uma geringonça parlamentar que lhe permitiu consolidar um poder pessoal, segurando pela arreata, enquanto interessou, os tigres e as tigresas da esquerda radical, que só num país atrasado e irrelevante como Portugal têm ainda tão presuntiva importância... Ora, tendo o amado líder montado o tigre do poder quando mordeu o isco atirado pelo PCP em 2015 — “o PS só não forma governo se não quiser” —, eis que agora percebe a dramática evidência: a geringonça não era solução mas ilusão, qual criatura maléfica que, seis anos depois, acaba a devorar o seu criador...

Foi assim que, ao longo de seis anos, o líder socialista trouxe para o chamado “arco da governação” os partidos da esquerda radical, cuja especialidade é mesmo a rua, o protesto, a manifestação, as justas lutas e as causas afiadas, bandeiras que devolvem identidade “revolucionária” a quem se sente mal na camisa de forças do parlamentarismo burguês... Por isso, esticando a corda até ao vermelho da negociação sem retorno, é à rua que eles e elas querem voltar. Compreende-se: passados os primeiros anos, em que várias medidas da tenebrosa troika foram revertidas e estando cada vez mais enterrado o sinistro fantasma de Passos, evocado a cada debate em que o governo acenava com o fim (ilusório!) da austeridade, passados esses anos em que o sol na eira (e a chuva no nabal) das conquistas da geringonça prometia voltar a “brilhar p’ra todos nós”, como cantam os camaradas — eis que a máquina redistributiva, cada vez mais forreta, começa a emperrar, os salamaleques já não têm o entusiasmo de outrora, e nem a golpes de bazuca se consegue afugentar as pesadas nuvens do horizonte, esperando a nação — face ao espetáculo desengonçado destes tigres de papel — que não venha a confirmar-se o pior das profecias negativas, quando auguram um possível inverno “soviético”, com muito frio e pão duro e escasso...

A herança destes seis anos não é brilhante. Mas que esperava, afinal, o amado líder, ao fazer sociedade com partidos inimigos da democracia e das empresas, a não ser a elevação da mendicidade a modo de sobrevivência? É que a realidade tem o péssimo costume de não se afastar: travestida ou recalcada, retorna sempre pior. O cardápio da “estabilidade” teve um preço demasiado alto, e a “pesada herança” antecipa o desastre há muito anunciado: a despesa pública de novo em máximos irresponsáveis, empresas da periferia do Estado que são cancros a sorver o orçamento, um governo pantagruélico cujos gabinetes gastam por ano 74 milhões de euros, os portugueses com o rendimento líquido mais baixo e carga fiscal das mais altas da Europa, quase 2 milhões abaixo do limiar da pobreza, a sufocante carga de impostos e taxas, um crescimento anémico, a cedência às reivindicações mais absurdas que são, na verdade, a redistribuição da miséria. Sem desenvolvimento e sem criação de riqueza, que futuro ainda esperar?

Bem pode, agora, o amado líder verter lágrimas de crocodilo sobre seis anos de “travessuras”: com a dívida a 135% do PIB, eis que “o diabo” assoma à porta dos fundos, e ouve-se um afiar dos aguçados dentes da troika à espera de abocanhar de novo a magra carne lusitana.