Temporal a Norte Madeira

Importância do ordenamento do território "esmorece" com o tempo

Director Regional do Ordenamento do Território alerta que "esmorecimento" da prevenção, sensibilização e sobretudo do ordenamento do território, pode comprometer um modelo territorial coerente, com prevenção e gestão do risco, capaz de antecipar, resistir e recuperar de desastres naturais

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Fez ontem, dia 25, um mês desde que o temporal se abateu no Norte da Madeira, durante o dia de Natal. A aluvião deixou prejuízos na ordem dos 40,6 milhões de euros, destruindo moradias, redes viárias, património municipal,  rede hidráulica fluvial ou retoma do fornecimento de energia eléctrica.

Em entrevista ao DIÁRIO, publicada na edição impressa de ontem, o presidente da Junta de Freguesia da Ponta Delgada não aponrtava culpas a ninguém: "A nossa orografia é muito específica. Repare que nas Lombadas não existiram grandes prejuízos e existem seis ribeiros. Na Ponta Delgada existem dois, um deles com uma linha de água com metro de largura com dois de largura. Mas sempre foi assim desde os anos de 80. O que aconteceu foi que eles transbordaram, criaram novas linhas de água e as ruas passaram ribeiros. Acho que não há culpados" afirmava Miguel Freitas.

Foi mesmo sobre este tema que o DIÁRIO também quis ouvir o director regional do Ordenamento do Território, que começou por fazer uma retrospectiva: “A história da Madeira está intimamente ligada a chuvas torrenciais, seguidas de deslizamentos de terrenos que atingem os cursos de água e geram enxurradas que os fazem transbordar, quase sempre com danos avultados e frequentemente com perda de vidas. Infelizmente, no dia 25 de Dezembro, fomos vítimas de mais um destes episódios, que desta vez atingiu a costa norte da ilha da Madeira, com especial gravidade nas freguesias de Ponta Delgada e Boaventura", começou por dizer Ilídio Sousa para sublinhar de seguida que "após uma catástrofe, é frequente ver salientada a importância da prevenção, da sensibilização e sobretudo do ordenamento do território", mas "com o passar do tempo, é também frequente ver esse entusiasmo esmorecer".

O certo é que no âmbito do ordenamento do território "esse esmorecimento pode comprometer a criação de um modelo territorial coerente, que permita um sistema de prevenção e gestão do risco, capaz de antecipar, resistir e recuperar de desastres naturais" alerta o geógrafo, que é também Mestre em Gestão do Território.

Sustentado nesta ideia, Ilídio Sousa defende que "nos últimos anos, a política de ordenamento do território do Governo Regional não tem esmorecido", até porque "foram desenvolvidos instrumentos normativos e operacionais que forçam as diferentes entidades regionais e locais a avaliar e considerar os riscos naturais e a sua prevenção". Na sequências destas políticas, explica o director regional, começaram a ser produzidas as Cartas de Risco e o papel dos Serviços Municipais de Protecção Civil foi reforçado: "É nessa perspectiva que estão a ser desenvolvidos os novos programas regionais de ordenamento do território, como o PROTRAM, POC, etc". 

Trabalho esse que defende ser "fundamental para complementar os estudos desenvolvidos e as intervenções estruturais de canalização e regularização de cursos de água, de contenção de terrenos instáveis, as campanhas de informação e sensibilização que chegaram a todas as freguesias e o considerável reforço de meios das estruturas de Protecção Civil".

Intervenções estruturais é também o que anunciou Miguel Albuquerque na última semana nas zonas atingidas pelo temporal do 25 de Dezembro. Isto porque uma simples reconstrução das infra-estruturas afectadas repõe o estado do património danificado, mas não garante que uma nova aluvião, com todas as consequências, não venha a ocorrer. Por isso o presidente do Governo Regional afirmou que quer ainda realizar, a médio prazo, várias medidas estruturais para mitigar do risco, no valor de 11,5 milhões de euros, tendo por objectivo a melhoria das condições e da segurança dos escoamentos fluviais nas áreas afectadas pelo evento. 

Estes trabalhos contemplam o redimensionamento e a construção de novas passagens hidráulicas na rede viária regional, sobretudo para substituir as existentes de forma a minimizar o risco de galgamento e inundação de estradas no caso de eventos aluvionares de grandeza similar. Contempla ainda a construção de pequenas bacias de retenção de material sólido para contenção de fluxos detríticos a montante de zonas infra-estruturadas e habitadas, bem como a construção de um novo canal hidráulico na freguesia de Ponta Delgada para transvaze de águas fluviais excedentárias da Ribeira de S. Nicolau, em caso de precipitação extrema. O governo prevê ainda a execução de diversos trabalhos de canalização de ribeiras, de regularização de leitos e contenção de margens no afluente da Ribeira dos Moinhos, afectado pela intempérie de 25 de Dezembro de 2020.

Por outro lado, o director regional do Ordenamento do Território sublinha que  grande parte das medidas preventivas no âmbito do ordenamento, como o estabelecimento restrições ao uso do solo e outras medidas vinculativas de particulares, "dependem quase exclusivamente da aplicação dos PDM, dos Planos de Urbanização e dos Planos de Pormenor, pelo que as entidades municipais têm um papel de enorme relevo no sucesso de qualquer estratégia de prevenção de riscos naturais".

Mais: "Não podemos esquecer a importância das entidades locais, nomeadamente das juntas de freguesia, que têm um papel fundamental na identificação dos problemas, na sensibilização dos cidadãos para a necessidade de medidas rigorosas de precaução e prevenção, e que poderiam ter um papel mais activo na monitorização da sua aplicação. Sabemos que não podemos evitar a ocorrência de tipo de fenómenos meteorológicos, por isso o grande desafio está na preparação da nossa sociedade para a sua ocorrência, o que passa também pelo ordenamento do território, mas sobretudo pela mobilização de todos os cidadãos, entidades...”, alerta Ilídio Sousa.

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