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Fazer e responder(e)

Quem exerce cargos públicos deve estar sempre pronto a responder e a explicar factos

1. Perto de completar 380 anos do seu nascimento, conhecido pela formulação das três leis do movimento (leis matemáticas imutáveis que possibilitam a descrição integral da evolução dos corpos no espaço e no tempo), veneradas como os princípios da Física moderna – e de onde decorreu a formulação da Lei da Gravitação Universal –, Isaac Newton, sem saber/prever o que sucederia no final século XX e XXI, sem antecipar o surgimento das redes sociais (e uma massiva adesão dos cidadãos), e também, nas suas investigações, sem se debruçar profundamente sobre a área/matéria(s) da política, depois de todo este tempo decorrido, a concretização e os efeitos da sua Terceira Lei (ou princípio da ação e reação, que diz “a toda ação sempre há uma reação de mesma intensidade e direção, porém dirigia em sentidos opostos”), são por demais evidentes na ação/práxis política contemporânea, mas agora com uma rapidez (e mediatismo) nunca antes vista, onde todos consideram ter o direito de julgar, opinar e/ou censurar.

2. No decurso desta dramática situação pandémica que o país e o mundo atravessam (no dia em que escrevo este texto, Portugal é considerado o 2.º país do mundo com mais novos casos e o 1.º da União Europeia), em que o maior inimigo é talvez o medo (associado a uma grande dose de ignorância), pois é ele quem nos impossibilita de agir e de prosseguirmos, com alguma segurança e esperança, com as nossas vidas e de talharmos um futuro que parece querer escapar-nos, a palavra “ação” ganha hoje outro – e novo(s) – sentido(s).

A área da gramática que estuda a origem das palavras e suas alterações fonéticas (Etimologia), diz-nos que o vocábulo “ação” traz consigo somente a carga semântica do agere (empurrar), isto é, do que fazemos com conhecimento de causa, conscientemente, enquanto que o termo “fazer” suporta consigo o agere e o facere, ou seja, todas as coisas que fazemos sem nos darmos conta, de forma ‘inconsciente’, mas também aquelas que executamos de modo consciente, voluntária e com responsabilidade (do latim, respondere).

Ora, em política a própria existência do Estado justifica-se pela necessidade de se realizarem ininterruptamente certos fins que são essenciais para a comunidade, fins esses que justificam um conjunto de ações por um tempo que é indefinido. A ação política (realizada pelos diferentes agentes políticos) tem, assim, propósitos e objetivos específicos – para além de um objetivo superior que é o ‘Bem Comum’ –, e é muitas vezes expressa no âmbito das políticas públicas definidas e acordadas pelos vários atores públicos, sejam, por exemplo, aqueles que são detentores de cargos eletivos, mas também os que ocupam cargos administrativos e burocráticos, não esquecendo os partidos políticos, os grupos de interesse, grupos de pressão e as diferentes corporações.

Se recuássemos no tempo e contemplássemos, novamente, um cartaz de propaganda política (cujo slogan era “O IMPORTANTE É FAZER”) e o discurso de um determinado candidato às eleições Regionais de 22 de setembro de 2019 (depois de também ter sido candidato à presidência do município do Funchal), veríamos como a palavra “fazer” ganhou outro destaque e conotação e, tal como afirmava o candidato, agora mais utilitarista e “em contraponto às promessas fáceis, aos anúncios inconsequentes e ao populismo que procura voto fácil”. Naturalmente, naquele tempo o aludido candidato ainda não sabia o que lhe sucederia alguns meses depois e que não basta garantir, prometer ou protestar, mas que é efetivamente preciso “FAZER”, sim, mas fazer as coisas que devem ser feitas, que são necessárias e fundamentais fazer, mas, e sobretudo, ‘fazer bem’! Por exemplo, de que serve fazer marinas, heliportos, novos cais de recreio como o cais 8, adquirir mangas para o porto do Funchal, construir e esbanjar recursos públicos em megalomanias, se depois a sua serventia é (quase) nula?

Parece que o discurso (palavra) e a ação juntas nunca andaram bem, ou seja, raras vezes estão em sintonia, e já afirmava e acautelava o prémio Nobel da Literatura (1927), Henri Bergson, “não ouçam o que eles dizem, mas vejam o que eles fazem”.

3. Na tradicional mensagem de Natal do primeiro-ministro, António Costa admitiu pela primeira vez que o seu Governo pode ter tido falhas na resposta à pandemia da Covid-19, mas argumentou, melhor, rapidamente se justificou/desculpou com a famosa expressão “só não erra quem não faz” (cito: “certamente não fizemos tudo bem e cometemos erros, porque só não erra quem não faz”.) Mais uma vez, todavia só depois do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter assumido publicamente “a responsabilidade suprema”, reconhecido “erros” e “atrasos” na ação de combate à pandemia da Covid-19 – e de ter criticado alguns aspetos na/da gestão desta –, o chefe de governo lá concede (e responde) que ação política do seu executivo não privilegiou a eficácia e eficiência, não executou todas (e provavelmente as melhores) soluções e que a sequência de muitos dos acontecimentos futuros que vieram, infelizmente, a verificar-se, eram, em certa medida, imprevisíveis e que existiram mesmo algumas ocasiões em que a situação esteve quase descontrolada.

Lamentavelmente, também aqui parece que a ação política ficou bastante aquém do que deveria ter sido feito e de como deveria ser feito – e ela é bem mais transparente/sincera que as palavras –, mas toda a ação política não é isenta de uma certa forma de responsabilidade (supõe sempre um assumir e “responder” pelas decisões e ações praticadas ou não executadas, com as quais alguém se comprometeu), facto que já adquiriu o caráter de evidência aos olhos de uma grande parte dos portugueses.

Em democracia, em última análise, para além do dever por parte daqueles que ‘fazem’ política que é o de prestar contas (por outras palavras, quem exerce cargos públicos deve estar sempre pronto a responder e a explicar factos e circunstâncias decorrentes do seu exercício), toda a ação (ou inação) com consequente responsabilidade política, será invariavelmente sufragada – e assumida – no próximo ato eleitoral.

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