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Etiópia sem condições para realizar "eleições livres, justas e transparentes"

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O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed Ali, Nobel da Paz em 2019, deverá legitimar-se pelos votos em 2020, mas "a Etiópia não tem condições de segurança e institucionais para realizar eleições livres, justas e transparentes", afirmam especialistas à Lusa.

"Estou bastante seguro de que a Etiópia vai a eleições no próximo ano. Mas serão livres, credíveis e transparentes? Claro que não! A Etiópia não tem condições de segurança e institucionais para realizar eleições livres, justas e transparentes. Por muitas razões", disse à Lusa Kjetil Tronvoll, professor no departamento de Ciência Política e Relações Internacionais na Bjorknes University College, na Noruega.

"A Etiópia tem que ir a eleições, claro", sublinha a antiga eurodeputada Ana Gomes, candidata à Presidência da República, que em 2005 chefiou uma missão europeia de 200 observadores às eleições legislativas etíopes, durante o regime de Meles Zenawi, e desde então se mantém ligada ao país, que visitou pela terceira vez em fevereiro de 2019.

"Mas tem que haver condições de segurança para haver eleições. E essa era uma das questões que a própria oposição se colocava quando lá fui. Havia zonas do país onde as pessoas não podiam fazer oposição. Mesmo na própria Oromia, com os conflitos que estavam a ser desencadeados por Jawar Mohammed [líder do Congresso Federalista Oromo (OFC) e proprietário do Oromia Media Network, um canal de televisão com sede nos Estados Unidos, que emite em oromo], que entretanto foi preso, a oposição não podia fazer campanha livremente", acrescentou Ana Gomes.

A realização de eleições democráticas, no sentido liberal do termo, "não é possível", em nenhuma circunstância", segundo o especialista norueguês, se o país não possuir as instituições que garantam eleições livres, justas e transparentes. Um sistema judicial independente, uma comissão eleitoral bem equipada e independente, um parlamento ativo. O quadro institucional para eleições credíveis e democráticas na Etiópia não existe", explica.

"E não vai existir por muitos anos ainda", acrescenta Tronvoll. "Muitos dos principais líderes da oposição estão na prisão, acusados de terrorismo e de atividades contra o governo", acrescentou o investigador norueguês.

Abiy Ahmed chegou ao poder em abril de 2018, depois de um período longo de protestos contra o governo da Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (EPRDF, na sigla em inglês), uma coligação formada por quatro partidos, Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, siglas em inglês), Partido Democrático Oromo (ODP), Partido Democrático Ahmara (ADP) e Movimento Democrático dos Povos da Etiópia do Sul (SEPDM), mas largamente dominada pela primeira destas quatro formações.

As eleições legislativas na Etiópia estavam previstas para 29 de agosto último, mas a campanha eleitoral, prevista para começar em maio, nunca chegou a arrancar, por causa da pandemia, que deu a Abiy Ahmed o argumento para prolongar o mandato do governo para além dos limites constitucionais estabelecidos. O adiamento das legislativas chocou com a oposição da TPLF, que, em desafio à decisão de Adis Abeba, avançou com eleições de forma autónoma no Tigray em setembro, que venceu com 98% dos votos sufragados.

"Essa foi a questão mais importante, que levou ao conflito" no Tigray, disse à Lusa William Davison, analista principal para a Etiópia do International Crisis Group (ICG).

O único partido que pode fazer campanha em qualquer região etíope, sublinha ainda Tronvoll, é o governamental. "Não há nenhum outro partido de caráter nacional, e esse é o do governo, o partido incumbente. Mas e a oposição? Essa é a grande questão?".

"A Etiópia nunca teve eleições livres, não sabe o que são eleições livres", diz Ana Gomes. "Eu vi, em 2005 as eleições não foram livres, em 2010 as eleições não foram livres, em 2015 as eleições não foram livres. Estas, que estão anunciadas, serão as primeiras eleições livres -- espero que sejam", afirma, admitindo, no entanto que, depois da conversa que manteve com Abiy, lhe pareceu que "não havia condições".

"Conversei com Abiy, pareceu-me que não havia condições. Abiy queria fazer as eleições e eram as próprias forças da oposição que me diziam que não havia condições para fazer as eleições, porque não havia segurança, havia zonas do país onde não podiam fazer campanha, simplesmente", disse.

Tronvoll estima ser "difícil prever o futuro", porém, tem como "claro" que, "sem um consenso de reconciliação nacional e um diálogo político nacional envolvendo todos os atores políticos relevantes, incluindo TPLF, os líderes da oposição detidos, os expatriados, a Oromo Liberation Front (OLF), a Oromo Liberation Army [OLA, dissidente da OLF, acusada do massacre de mais de meia centena de pessoas da etnia Ahmara no início de novembro], a Etiópia continuará no caminho de uma instabilidade política crescente".

"E a Etiópia tem as lições suficientes ao longo da sua história para fazer diferente", remata Kjetil Tronvoll.

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