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Presidente do Supremo Tribunal recusa ideia de que há crise na Justiça

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O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recusou hoje a ideia de que haja uma crise na justiça e considerou que o sistema está “equilibrado e funcional”.

“No atual contexto histórico posso afirmar, com convicção, que o sistema de justiça português está equilibrado e funcional. É altura de pôr termo à retórica da crise na justiça, às críticas vazias, às ideias feitas e à deslegitimação, inconsciente ou consciente, do sistema de justiça”, afirmou no seu discurso de abertura do ano judicial, que hoje decorreu no Palácio da Ajuda.

O juiz conselheiro António Joaquim Piçarra afastou a ideia de que haja uma crise na Justiça, classificando essa perceção como uma “retórica replicada de forma acrítica e, por vezes, até perversa”.

“Ao contrário do que muitos repetem, até à exaustão, no espaço público, a perceção que os cidadãos têm da justiça está alinhada com essa ideia de equilíbrio funcional”, sublinhou.

Contudo, admitiu que o sistema judicial continua a ter “problemas muito sérios e profundos”, concretamente nos processos especialmente complexos e na “chamada justiça económica, particularmente as execuções civis e o comércio”.

A resolução de processos especialmente complexos “constitui a equação mais difícil de resolver” que afeta a imagem da justiça, sustentou, considerando que o sistema de justiça português tem um problema estrutural na capacidade de responder a esta realidade.

“A criminalidade, sobretudo a de natureza económico-financeira, vem associada a mecanismos elaborados de ocultação, que implicam intervenção de diversas jurisdições ou organismos, nem sempre com níveis de cooperação adequados”, frisou.

“Se o nosso sistema legal e organizativo exige e impõe que estes processos complexos se tornem edifícios faraónicos de factos e de provas, a sua conclusão levará sempre vários anos”, afirmou o juiz, defendendo a seguir uma alteração do quadro legal e o quadro funcional de apoio aos juízes.

Será sempre muito difícil compaginar nestes megaprocessos os vértices do estado de direito democrático, como a descoberta da verdade, a realização da justiça e o direito de defesa dos arguidos, enquanto o sistema não tiver condições de lidar adequadamente com estas realidades.

Genericamente, Joaquim Piçarra destacou a diminuição das pendências em 2019, referindo que o ano terminou com 310 mil processos pendentes, quando em dezembro de 2018 eram 345 mil.

Foram decididos nos tribunais judiciais mais processos que os entrados transversalmente em todas as jurisdições (cível, penal, laboral e tutelar).

O presidente do STJ, que por inerência de função é presidente do Conselho Superior da Magistratura, prestou ainda contas da atividade do órgão de gestão e disciplina dos juízes, revelando que em 2019 foram realizadas 369 ações inspetivas, instaurados 28 inquéritos e 21 processos disciplinares e aplicadas sanções disciplinares a 21 magistrados: 10 advertências, seis multas, uma suspensão de funções com transferência, duas aposentações compulsivas e uma demissão.

No seu discurso, o presidente do Supremo ressalvou ainda os recentes desenvolvimentos políticos na Grã-Bretanha (Brexit) que tornaram irreversível o processo de saída deste país da União Europeia, passando a Irlanda a ser o único país de ‘common law’ na União e também o avolumar de problemas de independência da justiça no espaço europeu.

O projeto europeu há muito que deixou de ser apenas económico. É um projeto de desenvolvimento social e político, assente em princípios democráticos comuns.

A nova Comissão Europeia parece seguir um caminho de ainda maior alheamento sobre esta matéria, relativizando o conceito de independência da justiça de acordo com as latitudes, o que não é tranquilizador.

Em contrapartida, assumiu perante o Presidente da República e a ministra da Justiça, “Portugal continua a manter níveis de independência dos juízes verdadeiramente referenciais no contexto internacional e que o respeito do poder político pela independência da justiça mantém-se intocado.

Este ano, a cerimónia de abertura do ano judicial decorreu no Palácio da Ajuda, em Lisboa, devido às obras de beneficiação que decorrem no edifício do Supremo Tribunal de Justiça.