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Marcelo entra no último ano do mandato e desfaz tabu sobre recandidatura

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai entrar em 2020 no último ano do seu mandato, para o qual remeteu o fim do tabu sobre uma eventual recandidatura nas presidenciais de 2021, anúncio prometido para outubro.

Nestes quase quatro anos na chefia do Estado, depois de ter vencido as eleições presidenciais de 24 de janeiro de 2016 na primeira volta com 52% dos votos, Marcelo Rebelo de Sousa conviveu com um Governo minoritário do PS suportado por acordos inéditos à esquerda no parlamento, assumindo-se como um defensor da estabilidade.

O Presidente que se situa ideologicamente “na esquerda da direita” teve, nas suas palavras, uma “coabitação especial” com esse executivo minoritário chefiado por António Costa - com maior proximidade no início, num período de desconfiança interna e externa face àquela solução governativa, e maior afastamento aquando dos incêndios de 2017 - e viu a legislatura chegar até ao fim.

Na sequência das legislativas de 06 de outubro deste ano, que o PS venceu com 36,35%, subindo de votação, mas sem obter maioria absoluta, o chefe de Estado empossou tão rapidamente quanto possível o XXII Governo Constitucional, avisando o primeiro-ministro, António Costa, de que “não será fácil a tarefa que o espera” e de que “as expectativas e as exigências dos portugueses hoje são muito superiores às de 2015”.

“Sabe que não há recursos para tantas e tamanhas expectativas e exigências, e que o segredo da legitimidade de exercício deste Governo residirá na escolha, na hierarquização, na concentração e na clareza das respostas que entender ser possível dar”, advertiu Marcelo Rebelo de Sousa, nessa cerimónia de posse, no dia 26 de outubro.

Sobre as relações institucionais, afirmou que “o Presidente da República não muda de postura com resultados de eleições” e, virando-se para António Costa, acrescentou: “Além de que o bom senso ensina na vida que nunca se pode dizer nunca a reencontros futuros, em particular se eles são razoavelmente conjeturáveis”.

Marcelo Rebelo de Sousa tem dito em várias ocasiões que o ideal seria haver “um só mandato presidencial mais longo”. Contudo, a Constituição da República Portuguesa estabelece mandatos com a duração de cinco anos e permite que sejam cumpridos dois consecutivos, que foi o que fizeram todos os seus antecessores eleitos em democracia: António Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Aníbal Cavaco Silva.

Ainda como candidato presidencial, num discurso na Voz do Operário, em Lisboa, no dia 24 de outubro de 2015, o antigo presidente do PSD e comentador político admitiu quebrar este histórico e sugeriu a possibilidade de fazer um só mandato, declarando: “Algum dia um Presidente eleito dará o exemplo de fazer os seus cinco anos sem qualquer reeleição e, por isso, não se autocondicionando por causa dela”.

No entanto, no decorrer da campanha, preferiu não assumir nenhum compromisso nesta matéria, por prudência. “O que são cinco anos? Ninguém sabe”, argumentou.

Desde então, abordou o tema em sucessivas ocasiões, mas manteve o tabu. Na sua primeira entrevista televisiva, à SIC, em 22 de janeiro de 2017, traçou um prazo para o desfazer: “Até ao mês de setembro de 2020”. E assegurou que quando convocar as presidenciais, o que tem de ser feito com uma antecedência mínima de 60 dias, estará claro se é ou não candidato.

Ao completar dois anos de mandato, em 09 de março de 2018, prometeu não “utilizar o cargo de Presidente para fazer uma candidatura escondida”, afastando igualmente “despedidas grandiosas”, caso decida não se recandidatar.

“[A decisão] tem de ser com uma certa distância, tem de ser no momento em que eu anuncio a data das eleições presidenciais, que são em janeiro [de 2021]. Portanto, significa, o mais tardar, no fim do verão [de 2020]”, apontou, na altura.

Numa entrevista à Rádio Renascença e ao jornal Público divulgada em 08 de maio de 2018, disse que uma nova tragédia como os incêndios do ano anterior, em que morreram mais de cem pessoas, seria um acontecimento “impeditivo de uma recandidatura” sua.

Em 26 de janeiro deste ano, no Panamá, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu “uma grande vontade” de se recandidatar, quando ouviu o anúncio oficial de que a Jornada Mundial de Juventude de 2022 se realizará em Portugal com a presença do papa - já fora deste seu mandato de cinco anos.

De regresso a Lisboa, reiterou que esse acontecimento “é muito motivador”, assim como as edições seguintes da Web Summit ou a presidência portuguesa da União Europeia no primeiro semestre de 2021, mas prolongou a dúvida sobre a sua decisão, apontando a sua saúde e o sentido de dever como fatores determinantes a ponderar.

No final de maio, juntou a estes um outro fator a ter em conta, “o equilíbrio de forças” entre esquerda e direita resultante das legislativas, após uma intervenção em inglês, na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), em Lisboa, em que se manifestou preocupado com os resultados dos partidos à direita nas eleições europeias.

Com os socialistas a governar novamente em minoria e sem nenhum acordo escrito, condição que ele mesmo considerou desnecessária, e um parlamento agora com dez partidos, o Presidente da República tem assinalado que em 2020 “serão votados dois dos quatro orçamentos desta legislatura” e disse esperar chegar ao fim do ano com estabilidade política, económica, financeira e institucional.

Em caso de crise política, durante o próximo ano, nos termos da Constituição, o Presidente da República só pode dissolver a Assembleia da República no período entre princípios de abril e princípios de setembro, quando tiverem passado seis meses das legislativas e até se entrar no último semestre do seu mandato.

No que respeita à sua saúde, Marcelo Rebelo de Sousa foi operado de urgência a uma hérnia umbilical, no dia 28 de dezembro de 2018, o que o obrigou a cancelar toda a sua agenda até ao final desse ano e a abrandar o ritmo nas semanas seguintes.

No dia 30 de outubro deste ano, foi submetido a um cateterismo cardíaco, desta vez de forma programada, e à saída do hospital considerou que a melhoria do seu estado clínico constituía agora “um fator positivo na ponderação” sobre uma recandidatura.

Para o secretário-geral do PS e primeiro-ministro, esse é um cenário praticamente certo. “Eu diria, se me fosse permitido ser por 10 segundos analista político, que há 99% de possibilidades de ele se candidatar. Além do mais, seria incompreensível para 80% dos portugueses que o apoiam verem-se frustrados por não o terem”, declarou, em julho.

Excluindo-se de candidato presidencial nas eleições de 2021 ou em quaisquer outras, António Costa tem reservado para mais tarde a posição do PS na próxima corrida a Belém, embora referindo que o seu partido “sempre teve como tradição apoiar candidatos e não propor candidatos”.