Crónicas

“Sai meia torrada e um Hospital”

75 milhões de euros para fechar os Marmeleiros e comprar um hospital novo. Temos Houdini como candidato a presidente do Governo

1. Livro: Desde que Donald Trump assumiu a presidência dos “US of A” já li três livros sobre a personagem. Uma biografia que resumia a sua vida até chegar ao mais alto cargo do seu país, “Fogo e Fúria”, sobre os primeiros tempos do seu consulado, e acabei agora “Medo” de Bob Woodward, um dos jornalistas responsáveis pela divulgação do escândalo de Watergate. Fico parvo como é que uma pessoa como Trump consegue ser eleita num país como os Estados Unidos. Tanto poder e tanta falta de sentido do que fazer com ele.

2. Disco: “I am Easy to Find” dos The National. Um dos meus grupos favoritos. O registo é a banda sonora de uma curta-metragem de Mike Mills. Um pequeno filme, de menos de 27 minutos, com tanto de experimental como de profundo e exuberante. A música, e as palavras que a acompanham, são de um requinte que roça a perfeição. Está aí num YouTube perto de si. Vá lá, veja e ouça.

3. Ficámos sem Agustina, um nome incontornável da cultura portuguesa do século XX. Ficamos sem a mão que escreveu ficção, biografia, teatro, crónicas, memórias, ensaios e infantis. Deliciei-me com “A Sibila”, “Fanny Owen”, “A Corte do Norte” e “Vale Abraão” assim, de repente, o que me lembro de ter lido. Detestei o que Manuel de Oliveira lhe fez a “Fanny Owen”/Francisca, um dos melhores livros da literatura portuguesa de sempre.

Com uma obra vastíssima sempre a vi como, a par de Saramago e de Lobo Antunes, uma das nobilizáveis portuguesas.

Falhou-lhe o prémio.

4. Laurinda Alves escreveu, no Observador, na semana passada, uma crónica que deve ter custado horrores. Relatava uma conversa que a autora teve com o Nobel da Paz, Denys Mukwege, médico que trata raparigas, crianças e mulheres violadas brutalmente por verdadeiros animais, pois, não podem ser designados como humanos.

A crónica foi muito penosa de escrever, mas acreditem que é também muito difícil de ler pela revolta que causa, pela repulsa que criamos a essas bestas que caminham no meio de nós.

5. Num domingo perto de si, Paulo Cafôfo apresentou formalmente a sua candidatura à Presidência do Governo da Madeira. É um cidadão e tem todo o direito de o fazer. Pena foi que tenha persistido na falta de clareza que demonstrou na entrevista que deu à RTP/Madeira.

75 Milhões de euros para fechar os Marmeleiros e comprar um hospital novo. Temos Houdini como candidato a presidente do Governo. Com tanta gente à sua volta, não há quem lhe diga que há coisas que nem pensar nelas vale a pena? 75 Milhões para fechar os Marmeleiros, comprar um hospital novo e, assim, acabar com as listas de espera. Depois, vai importar 100 médicos com um estalar de dedos. Ah! E os respectivos enfermeiros.

Mas naqueles Estados Gerais não há ninguém que lhe explique que há salas para cirurgia no Nélio Mendonça que não estão a ser usadas? Ninguém lhe explica que o Hospital Privado, por exemplo, pois é o único que existe para além dos públicos, só tem 4 salas de bloco cirúrgico, o mesmo número de salas não usadas no público? Ninguém lhe explica que precisamos é de anestesistas e enfermeiros especializados?

Ao anunciar comprar um hospital, Paulo Cafôfo anuncia que vai adquirir o Hospital Particular. Não há outro. É simples.

Tudo isto é muito engraçado porque o Hospital Privado, por coincidência, tem como sócio um investidor muito chegado ao Partido Socialista.

Ora vamos lá ver, misturamos 75 milhões de euros com um hospital novo a comprar, mais 100 médicos e respectivos enfermeiros, uma mão-cheia de listas de espera, uma pitada de ingenuidade e umas contas de merceeiro q.b., “et le voilá”, temos o problema resolvido.

Saberá Cafôfo os valores das frequências de entrada nas listas? Ou as de saída? Ou mesmo a distribuição de custos? Ou foram números que alguém lhe soprou assim como quem não quer a coisa, e toca de os debitar? Não será o primeiro passo, fazer com que as saídas das listas sejam superiores à entrada? Não seria mais importante anunciar que terá de ser feito um estudo de meios para saber o que é preciso fazer: o quê, quem, porquê, onde, como e quanto?

Caramba! Estava a falar da nossa saúde. Não se caia no erro de, mais uma vez, pensar que por se saber de medicina se sabe de saúde. Não tem nada a ver.

Para mim, se há assim tanto dinheiro, porque não contratualizar os privados para ajudarem a acabar com as listas? Certamente sairá muito mais barato recuperá-las com a ajuda deles. Isto é coisa facilmente explicável e nem precisa de muitos conhecimentos de gestão.

As afirmações do ex-edil, no que diz respeito à saúde, porque por aqui me fico, são irresponsáveis. Indignas de quem quer gerir os assuntos desta terra. Dizia-me um amigo ontem: “se fosse pago não compravam melhor”, referindo-se aos seus adversários políticos.

Estou farto da governação do PSD. Mas não antevejo que vá mudar, seja o que for, com esta gente. Mais uma vez o PS vai ser responsável pelo eternizar do PSD no poder da Madeira. Porque os eleitores não são parvos e não vão em conversas sem nexo, vamos levar com mais uns anos do mesmo (e mesmo que mudasse tenho dúvidas que a mudança fosse efectiva) por incúria, por impreparação, por mau aconselhamento, por puro assalto ao poder.

É isto que as pessoas querem? Mudar as moscas para que a porcaria seja a mesma?

6. Alguém me consegue explicar como é que uma empresa que é metade pública, e daí a minha interrogação, pode dar prémios a alguns trabalhadores (chefias e uma área operacional) referentes a um ano em que teve prejuízos? Não devia ser ao contrário? Por gestão danosa e operacionalidade deficiente deviam era ter-lhes tirado alguma coisa.

Em relação a este assunto, foi muito lesto o Governo da República em mostrar indignação pelo sucedido. Fosse também assim em relação ao escândalo, que vai andando de “Herodes para Pilatos”, e que diz respeito à mobilidade aérea dos madeirenses, tão dependente da, dita, companhia de bandeira. O não assegurar da “continuidade territorial”, consignada na constituição e no tratado para-constitucional que é o Estatuto Político Administrativo, não merece do primeiro-ministro do meu país um único reparo. Depois, admiram-se de, nas eleições, receber as respostas que têm recebido, longas de quarenta e tal anos.

7. O Governo da República quer que inspectores do fisco possam andar armados. Já não vai faltar muito para termos direito a um Tribunal Plenário Fiscal... Isto, mais as operações STOP e o assalto aos casamentos, tem tudo a ver com a instauração de uma espécie de fascismo fiscal.

8. “O liberal é humilde. Reconhece que o mundo e a vida são complicados. A única coisa de que tem certeza é que a incerteza requer a liberdade, para que a verdade seja descoberta por um processo de concorrência e debate que não tem fim. O socialista, no que lhe concerne, pensa que a vida e o mundo são facilmente compreensíveis; sabe de tudo e quer impor a estreiteza de sua experiência — ou seja, a sua ignorância e arrogância — aos seus concidadãos” — Raymond Aron.