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Por favor não se esqueçam do futuro

Na última conferência de inovação e futuro patrocinada pelo DN um dos oradores lembrou a importância de os líderes perspetivarem o futuro. Vivemos num momento histórico particularmente desafiante com disrupções em várias frentes (as chamadas megatendências). Estas tendências provocam ondas de choque com impactos a médio e longo prazo: a demografia, o clima, a globalização e as tecnologias digitais. Nenhuma destas tendências parece surpreendente até porque as novas gerações mais preparadas e atentas reconhecem mais facilmente os efeitos que terão no seu futuro. Mesmo numa região relativamente pequena e isolada como a Madeira. Surpreendente é a ausência destas preocupações nos discursos e agendas políticas. Discutem-se lugares nas listas, promessas cumpridas ou por cumprir e reivindicam-se protagonismos de soluções adiadas. Mas, entre a festa da cereja, um passeio no Funchal Jazz ou num arraial de verão, sobre o futuro nada.

Primeiro a demografia. Se a população mundial continuará a crescer, na Europa e, em particular, em Portugal e na Madeira, teremos uma redução substancial do número de residentes nos próximos anos (de 260 mil para 210 mil no cenário central do INE para 2040). A acompanhar esta diminuição teremos um envelhecimento da população com uma diminuição dos jovens (<17 anos) de 40% e um aumento dos idosos (>65 anos) de 85%. Que políticas e respostas têm para esta profundo alteração que implicará a redução para metade dos jovens, por exemplo no sistema de ensino e na Universidade? Como vão reagir ao aumento para o dobro da população mais idosa com efeitos enormes no equilíbrio dos sistemas de saúde e de segurança social? Que estratégias serão desenvolvidas para atrair e reter jovens qualificados na região? Segundo o clima. O aumento previsto das temperaturas deverá superar até as piores estimativas dos cientistas. A consequência imediata será um aumento dos fenómenos climatéricos extremos, a subida do nível das águas e a destruição da biodiversidade. Que influência terão estes fenómenos no equilíbrio ecológico das nossas ilhas (80% da biodiversidade da Europa está nas regiões ultraperiféricas)? E que impactos no turismo com a dependência dos transportes condicionados, não só pelas emissões, mas também pelas conhecidas limitações do principal aeroporto? Terceiro a globalização. A transferência da liderança mundial para o médio e extremo oriente (India e China) só não acontece na cabeça de idiotas como o Sr. Trump. Esta mudança terá várias consequências com a Europa a virar-se cada vez mais para leste e para os mercados emergentes. O eixo Atlântico onde estamos deixará de ter a importância geoestratégica que teve nos últimos 600 anos (os mesmos da nossa descoberta). Que significado terá esta alteração para as políticas e fundos europeus dos quais dependemos? Que impactos terá no Centro Internacional de Negócios que representam uma parte significativa da economia da região? Finalmente as tecnologias digitais. A economia mundial já não é controlada por grandes indústrias ou empresas de petróleo. As principais empresas são todas tecnológicas e estão a mudar o mundo a um ritmo imparável. Mesmo nos sectores tradicionais dos quais depende a economia da nossa região. No Turismo a AirBnB ($35b), o tripAdvisor ou o Booking.com ($80b) não contam nos seus ativos com um único quarto, mas valem tanto ou mais do que as maiores cadeias hoteleiras (Hilton $25b ou Marriott $48b) e operadores turísticos mundiais (Expedia $18b ou TUI $6.5b). São empresas que gerem plataformas de dados com poderosos algoritmos de inteligência artificial que reduzem intermediários, alteram profundamente os mercados e a regulação e que dispõem de talento, dados e recursos financeiros quase ilimitados. Nenhuma destas ferramentas estão ao dispor e controlo das autoridades. Que estratégias estão pensadas para recolher dados sobre a região? Para capacitar as instituições com técnicos e interlocutores capazes de lidarem com estes novos fenómenos. Que políticas dinâmicas devem ser planeadas e ativadas para responder a evolução destas plataformas e da digitalização da economia e da sociedade?

Não estou a sugerir que os nossos políticos comecem o seu discurso de rentrée no Porto Santo a falar de megatendências. Mas talvez fosse boa ideia pensarem um pouco no assunto. Acima de tudo porque estas mesmas tendências vão ditar as oportunidades para o futuro. Dou alguns exemplos sobre o que parecem ser as principais preocupações e prioridades em discussão. O que deve ser um novo hospital ou uma rede de centros de saúde numa era em que um simples relógio inteligente é capaz de detetar rotinas, atividade física, e até ritmos cardíacos e eletrocardiogramas? Não seria mais importante estabelecer uma parceria com um dos principais centros mundiais de novas tecnologias da saúde em vez de desmantelar e construir edifícios e equipamentos que, não só nos endividam, como depois não conseguimos manter a funcionar? Não seria mais importante formar e qualificar os profissionais de saúde para trabalharem com novas tecnologias de baixo custo em vez de oferecer a cada especialidade o último grito de tecnologia cara que se avaria na semana seguinte ficando obsoleta? Não será o principal problema da saúde da região de organização que hoje em dia em qualquer sector significa ter sistemas informáticos que funcionam e otimizam os recursos, dar atenção ao contato directo e inovação dos próprios pacientes? Nos transportes não será ridículo na era de plataformas com a Uber, o AirBnB o Apple Pay ou o Revolut (conhecem?) andar a discutir modelos de mobilidade e reembolso em que o cidadão tem que ser humilhado com cópias de recibos e cartões de embarque nos correios? Fará algum sentido desenhar um modelo de mobilidade, que custa milhões todos os anos, deixando os dados e a verificação às companhias e aos CTT? Não seria mais interessante lançar um desafio a tantas startups inovadoras que temos em Portugal para criarem uma nova forma de processamento e pagamento da mobilidade com deteção automática de fraude e abusos? O mesmo se aplica a tantas outras áreas, uma cidade como o Funchal não teria dimensão para ter um sistema de transportes públicos totalmente elétrico e baseado numa plataforma tipo Uber? Num cenário não muito distante o problema do aeroporto da Madeira não poderia ser resolvido com uma ligação tipo Uber elevate entre as duas ilhas (a distância é igual à que estas plataformas baseadas em drones não tripulados pretendem atingir nas megacidades).

Estamos a semanas das eleições regionais. Deveria ser um período para tentar compreender o que pensam e propõem os principais candidatos. Talvez não fosse má ideia pensarem nestas tendências nem que seja por alguns momentos antes de ambicionarem continuar ou passar a fazer parte de um governo. O nosso futuro depende cada vez mais de termos pessoas capazes de protagonizarem projetos ambiciosos com políticas públicas dinâmicas capazes de fazerem face aos desafios do futuro.

Boas Férias.

PS: Aproveito para deixar umas recomendações de leitura e música para o verão. Para políticos e aspirantes ou simplesmente curiosos: “Hello World: How to Be Human in the Age of the Machine” de Hannah Fry. Para quem vive assustado com o presente e o futuro “The Uninhabitable Earth: Life After Warming” de David Wallace-Wells. Três discos muito bons. “Western Stars” do Bruce Springsteen, “I am easy to find” dos The National e “ANIMA” do Tom York (vocalista dos Radiohead).