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Denúncia contra Glenn Greenwald prejudica liberdade de imprensa no Brasil

Foto AFP
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A denúncia apresentada no Brasil contra o jornalista Glenn Greenwald por comunicações com uma fonte é infundada, não está baseada em evidências e prejudica a liberdade de imprensa no país, afirmou ontem a organização Human Rights Watch (HRW).

Em comunicado, Maria Laura Canineu, diretora do escritório da HRW no Brasil, destacou que “o uso de fontes sigilosas para fornecer informações relevantes ao público é essencial no exercício do jornalismo”.

A responsável da organização não-governamental (ONG) acrescentou que a denúncia de um procurador no Brasil contra Glenn Greenwald, fundador do ‘site’ The Intercept e um dos autores de uma série de reportagens que colocaram em causa a imparcialidade da operação Lava Jato, “parece uma tentativa de puni-lo pela publicação de mensagens que autoridades do sistema de justiça trocaram entre si”.

No dia 20, o procurador Wellington Divino de Oliveira acusou Greenwald de associação criminosa numa investigação sobre pirataria cibernética contra autoridades brasileiras, crime passível de uma pena de até três anos de prisão.

O jornalista norte-americano também foi acusado de participar em 126 incidentes de intercetação de comunicações sem autorização judicial, puníveis com até quatro anos de prisão, e de 176 incidentes de invasão de um dispositivo informático, puníveis com até um ano de prisão.

Dessa forma, a HRW calculou que, se condenado nesses termos, o jornalista poderia enfrentar uma pena de prisão que somaria 683 anos.

A ONG frisou que Greenwald foi denunciado sem ser investigado e após um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) proferir uma decisão liminar em defesa da prevalência da liberdade de imprensa, que proibe as autoridades de praticarem atos que visassem à responsabilização pela receção e publicação das mensagens telefónicas.

O procurador baseou a sua denúncia, que a HRW analisou, apenas no áudio de uma conversa entre Greenwald e um suposto ‘hacker’ antes da publicação da série de reportagens que ficou conhecida como Vaza Jato.

Na denúncia, Divino de Oliveira alegou que o jornalista terá dado conselho ao grupo criminoso para apagar as mensagens repassadas e, com base nisso, acusou Greenwald de orientar “ações para dificultar as investigações e reduzir a possibilidade de responsabilização penal”.

No entanto, a HRW avaliou que a própria transcrição da conversa incluída na denúncia mostrou que o jornalista “nunca indicou ao grupo que eliminasse as mensagens para evitar responsabilização”.

O procurador também afirmou que o fundador do The Intercept Brasil sabia que o grupo de piratas cibernéticos ainda estaria a intercetar mensagens trocadas por autoridades na aplicação Telegram ilegalmente quando a conversa ocorreu, mas a transcrição do áudio usado como prova não sustenta essa conclusão.

Em dezembro, a Polícia Federal encerrou a sua própria investigação sobre o caso, indiciando seis pessoas e descartando a participação de Greenwald em atos ilícitos.

“A denúncia contra Glenn não está sustentada em evidências”, disse Maria Laura Canineu.

A diretora HRW Brasil concluiu: “Em lugar de denunciá-lo, o Ministério Público Federal deveria defender o direito dos jornalistas de manterem contacto com fontes sigilosas e o direito dos brasileiros de receberem informações de interesse público”.

A divulgação de mensagens de autoridades do Brasil está ligada às investigações da polícia sobre invasão de telemóveis de atuais membros e ex-participantes da operação Lava Jato.

O ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e membros do grupo de trabalho da Lava Jato são os principais envolvidos na Vaza Jato, uma série de reportagens que começou em 09 de junho de 2019, quando o The Intercept e outros ‘media’ começaram a divulgar informações que colocam em causa a imparcialidade da maior operação contra a corrupção no Brasil.

Baseadas em informações obtidas de uma fonte não identificada, estas reportagens trazem mensagens privadas trocadas na aplicação Telegram que apontam que Moro terá orientado ilegalmente os procuradores da Lava Jato, indicado linhas de investigação e adiantado decisões enquanto era juiz responsável por analisar os processos do caso em primeira instância.

Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, por seu turno, negam terem cometido irregularidades e fazem críticas às reportagens do The Intercept e seus parceiros, afirmando que são sensacionalistas e usam conversas que podem ter sido adulteradas e foram obtidas através de crime cibernético.