Madeira

Mário Pereira quer combater “cultura do medo” e mudar “paradigma da gestão clínica” no SESARAM

Director clínico escolhido pelo governo de coligação PSD/CDS tem defendido, em inúmeros artigos de opinião publicados no DIÁRIO, a meritocracia e a transparência do sector

Mário Pereira foi o nome que reuniu consenso entre PSD e CDS.
Mário Pereira foi o nome que reuniu consenso entre PSD e CDS.

Mário Pereira revelou, ao longo de vários artigos de opinião publicados no DIÁRIO, que quer “mudar o paradigma da gestão clínica” focando a atenção dos médicos na ciência, na autocrítica, na motivação para o trabalho, cultivando a transparência e a meritocracia.

Estas são algumas das prioridades e das linhas orientadoras para o sector que tem defendido o ex-deputado do CDS-PP, ele que foi o escolhido pelo governo de coligação PSD-CDS para a direcção clínica do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM), conforme o DIÁRIO avançou na madrugada desta quarta-feira.

O médico ortopedista está consciente de que haverá contusões internas, pois perspectivam-se algumas mudanças “dolorosas” “beliscando interesses instalados”. O DIÁRIO fez um périplo pelos artigos de opinião do novo director clínico do SESARAM que nos revelam muito sobre os princípios e as medidas que deverão passar do papel para a prática.

SESARAM: Esperança, oportunidade e preocupação

No último artigo de opinião, publicado em 30 de Dezembro de 2019, Mário Pereira lançava os desafios para 2020. “Muitos questionam sobre o que penso agora dos desafios para a saúde regional, em que o PSD administra, só, a SRS, se bem que no contexto lato de uma coligação? Responderia com uma Esperança, uma Oportunidade e uma Preocupação”, escreveu o médico.

A esperança do agora conhecido director clínico do Serviço Regional de Saúde (SESARAM) é fundamentada, naquilo que considera ser um “bom” programa de governo, porque “inclui soluções para as altas problemáticas, incentivos à fixação de médicos, novos critérios de justiça na remuneração dos diferentes profissionais”.

Contudo, Mário Pereira não deixava de se manifestar preocupado com a partidarização do próprio SESARAM. “Não é de um só partido, uma só pessoa ou de uma só classe”, apontava.

“Gestão autocrática e segregadora ainda não desapareceu”

“Não é ainda certo que, a gestão autocrática e segregadora, que muitas vezes critiquei neste DIÁRIO, tenha desaparecido totalmente do horizonte”, assumia Mário Pereira. Daí que defenda a necessidade de “introduzir mudanças, algumas aparentemente dolorosas, algumas beliscando interesses instalados e, por maioria de razão, questionar os facilitismos indesejáveis num Sistema de Saúde que se quer transparente e justo”.

Ao novo Governo Regional de coligação, o ex-deputado do CDS-PP deixava um desafio: “É preciso mudar e, ao fazê-lo, resistir aos obstáculos que surgirão às mesmas. Exemplos não faltam. Tenho a esperança, mas ainda não é de todo certo, que a actual Administração tenha a coragem, ou até a vontade, de fazer tudo o que deve em prol dos utentes”.

Mário Pereira vê o actual momento também como uma oportunidade, considerando que poderá permitir “uma nova estratégia de resolução das listas de espera no SESARAM, não para as eliminar, mas sim para estagnar o seu crescimento e, posteriormente, as reduzir gradualmente”, apontou.

“Hoje, há mais madeirenses a entrar nas listas de espera, do que a sair das mesmas. É a realidade”, assumia Mário Pereira. Ainda na última terça-feira, o DIÁRIO noticiava que a lista de espera do SESARAM para cirurgias ascendia a 21.400, mais 500 do que no ano anterior.

A receita era dada pelo médico do CDS-PP no mesmo artigo de opinião: “Aumentar a oferta de cirurgias, consultas e exames é importante, até mesmo com recurso à privada, mas não chega. É preciso haver uma melhor gestão clínica que defina, com critérios técnicos e transparentes, quem e quais são prioritários, para dar a resposta mais justa à população”.

Prioridade: “Mudar o paradigma da gestão clínica”

Já antes, a 28 de Novembro de 2019, o médico ortopedista confrontava-se a si próprio sobre os desafios que o CDS-PP passaria a enfrentar no novo governo de coligação. Com o título “E agora Mário Pereira?”, o agora indicado director clínico do Serviço de Saúde da Madeira (SESARAM) apontava “três objectivos para o sucesso do sector: “Primeiro, mudar o paradigma da gestão clínica, focando a atenção dos clínicos na ciência, na autocrítica clínica e na motivação para o trabalho”; “Depois, aceitar que o Poder não é, em si, um objectivo, mas um instrumento para melhorar uma instituição importantíssima para os madeirenses como é o SESARAM”; “Finalmente, mestria em equilibrar o financiamento duma saúde deficitária em produtividade e o acesso a cuidados de saúde, com a sustentabilidade de um sector que não pode levar os problemas actuais para dentro das paredes do futuro hospital da Madeira”.

Olhando a coligação PSD/CDS-PP, escrevia que “se a coligação e o compromisso resultarem, teremos uma região mais forte, inclusa e preparada para o futuro. Se falhar, indicará que outros tipos de mudanças serão necessários”.

Contusão interna: “não sei se farás parte da história e borrifo-me nisso”

Este artigo de opinião mereceu uma dura reacção por parte de outro médico, também ortopedista. França Gomes, conhecido militante do JPP, reagiu para lembrar que no passado Mário Pereira havia dito que os colegas mais velhos eram “venais, subservientes, desactualizados e mentes tacanhas”. Como “há coisas que nunca se esquece!”, França Gomes rematou o artigo de forma contundente: “Não sei se farás parte da história e francamente borrifo-me nisso, mas penso que se isso acontecer será do lado negro!”

Quando o SESARAM tirou da gaveta o manual para ‘lidar com os incómodos”

Mas o lado negro já Mário Pereira tinha diagnosticado ao próprio SESARAM. A 29 de Março de 2019 saiu em defesa do médico nuclearista Rafael Macedo, quando estava sob fogo na sequência das denúncias e revelações na defesa entusiástica da Unidade de Medicina Nuclear, lamentando tudo aquilo o que não lhe deixaram fazer, apontando as incapacidades do SESARAM e acusando de negligência serviços e profissionais específicos.

“O SESARAM tirou da gaveta o já muito gasto e velhinho Manual para “lidar com os incómodos” e “esfolou” o médico dissidente. Acima de tudo, avisou os restantes 5000 colaboradores: se desviaram-se da conduta expectável da administração, os níveis de ansiedade e tensão arterial podem aumentar súbita e inexplicavelmente”, escreveu Mário Pereira.

O médico do CDS-PP, que foi um dos inquiridores durante a Comissão de Inquérito parlamentar, lamentava o facto de o povo não se ter dado “ao trabalho de pegar num bisturi e dissecar os 3 tipos de declarações” do colega médico. “As entusiásticas, as verdadeiras e as especulativas. Assim surgiram as avaliações ‘três em um’ e muitos tomaram partido, em grande maioria, solidários com Rafael Macedo. Ou tudo ou nada! E assim compromete-se uma análise séria disto tudo”, apontou Mário Pereira.

Se por um lado, confessa ter ficado na dúvida se Rafael Macedo se apercebeu de que violou o código deontológico que jurou defender, por outro, reconhece que “as inquirições têm sido úteis apesar da inflexibilidade da maioria laranja em só permitir as inquirições estritamente relacionadas com a Medicina Nuclear, de modo que não será possível aprofundar da razoabilidade das afirmações mais polémicas de Rafael Macedo”.

“A cultura do medo no SESARAM é a norma”

Uma das críticas mais acérrimas ao SESARAM foram feitas por Mário Pereira no teste do algodão. No artigo ‘el algodon no engaña’, a 1 de Maio de 2019, o médico debruçava-se sobre a eliminação de nomes de doentes as listas de espera pelo Serviço Nacional de Saúde para com isso apresentar a números positivos. “Esta maquiavélica metodologia socialista na República será também prática corrente na Madeira, como oportunamente noticiou este DIÁRIO”, lembrando que a lista cresceu 26%, ou seja, havia então mais 4.318 madeirenses em espera por cirurgia do que no início do mandato de Albuquerque.

Citando Gary Kaplan, um influente gestor de saúde, Mário Pereira referia que “é impossível ser transparente com o doente se não é imposta uma forte cultura de transparência dentro das próprias organizações de saúde”, fazendo uma analogia à realidade na Região.

“Infelizmente na Madeira estamos muito longe desta realidade desejável. Quer as chefias intermédias quer as de topo são escolhidas muito pela obediência inquestionada à hierarquia. Aliás, como ficou manifesto nas recentres audições na Assembleia. A cultura do medo no SESARAM é a norma, os processos disciplinares são gratuitos, politizados, como bem ilustra o caso do gestor Duarte Dória. A censura, quando não é institucional, é cultivada no inconsciente de cada colaborador, devidamente adubada com adequadas doses de medo e repressão. Pensarão, então, os colaboradores: ‘Para quê falar, ou avisar os doentes? Mais valerá para mim estar calado!’”, atirava o médico.

“Os próprios utentes do SESARAM não estão devidamente protegidos”, acrescentava. “O Gabinete do Utente acaba por não ser o defensor dos seus direitos legítimos. Ele desconhece a sua posição na lista de espera, desconhece o tempo médio espectável em espera, bem como não lhe são dadas alternativas em caso de incumprimento dos prazos”.

“O ambiente e a meritocracia têm de melhorar de uma vez por todas”

A 1 Agosto de 2019, Mário Pereira revela que termina, em Setembro de 2019, o mandado de deputado do CDS para o qual foi eleito em 2015, com “sensação agridoce”. Olhando a Saúde e num momento pré-eleitoral, disse que “o ambiente de trabalho e a meritocracia no SESARAM têm de melhorar, de uma vez por todas”, lamentando que “quem governa continua a não ouvir a oposição, os profissionais e a sociedade em geral”.

Fazendo um balanço à sua actividade parlamentar, escreveu que “se há partido que, de forma consistente, refletida e integradora tem inovado na Saúde, é o CDS. E, neste aspecto em particular, ninguém nos acusa de falta de coragem, de ter medo de fazer as coisas que são importantes, ainda que sejam incómodas.”

“Somos o instrumento da mudança na saúde”

O mesmo “travo agridoce” era assumido a 30 de Setembro de 2019, já depois da eleições regionais. “O fim das maiorias absolutas será higiénica para a Madeira, mas a sua utilidade dependerá de como for usada”, prescrevia o médico. “A intolerância iniciou a difícil aprendizagem da convivência. E isto é só o começo.”, acrescentava.

Enumerando todos os objectivos para o sector da Saúde que integraram a moção de Saúde, aprovada por unanimidade no congresso do CDS, Mário Pereira apontava o caminho e as soluções a adotar. “E muitos perguntam, o CDS está em condições de resistir à pressão do PSD para não as aplicar? É fundamental estar e de resistir! Somos o instrumento da mudança na saúde.”

“Muitos questionam se, para haver mudanças positivas, é preciso que a Secretária da Saúde seja do CDS? Não necessariamente! Há pessoas capazes na área do PSD e, igualmente, há independentes com méritos provados”, questionava e respondia Mário Pereira. “O que não se pode é virar o disco, e acabar por tocar o mesmo, quando na verdade queremos outra melodia, provavelmente mais harmónica e estimulante. Mais do que o nome do maestro ou a cor da sua casaca, queremos outros princípios e valores, mérito no seu trajeto e a capacidade para conduzir bons músicos com a serenidade, só ao alcance dos mais competentes”.