Madeira

“Eram centenas a acartar e a polícia a ver”, relata um madeirense radicado na África do Sul

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Aos 77 anos e após mais de meio século imigrado na África do Sul, Ângelo Agostinho viu o seu negócio ser alvo dos ataques xenófobos e acusa a polícia de nada ter feito para impedir as pilhagens.

“Avisaram-me que eles já queriam entrar de dia. Mais de cem pessoas já queriam entrar de dia, mas fechámos o portão grande para os carros não entrarem para o estacionamento e só se servia poucos fregueses de cada vez, mas gabaram-se que haviam de vir de noite roubar e vieram”, relata à Lusa este comerciante madeirense, sobre a pilhagem num dos seus supermercados em Germiston South, no leste de Joanesburgo.

Natural de Ponta Delgada, Madeira, Ângelo Agostinho, tinha 20 anos quando emigrou para a África do Sul: “Eu sou de 1942 e cheguei em 1962 a esta terra. Trabalhei como empregado nos primeiros dois anos e depois comprei o meu negócio, pequenino, para começar”.

Cinquenta e sete anos depois, uma família com dois filhos, dois netos e um bisneto, conta que os assaltos de que foi alvo em outros supermercados que abriu durante uma vida de trabalho na África do Sul, levaram já um dos filhos a emigrar para a Austrália.

Desta vez, o alvo foi o seu “Pick n’ Buy’ em Germiston South, outrora capital sul-africana da indústria têxtil, que foi pilhado na noite de 02 setembro, na onda de violência contra estrangeiros e que já provocou 12 mortos desde o início do mês.

Segundo conta o português, foi avisado às 21:45 pela empresa de segurança de que havia qualquer coisa de anormal no seu negócio.

“Quando cheguei [ao estabelecimento], o homem da segurança privada já lá estava, mas já estavam a roubar. Já tinha as portas abertas e já estavam a roubar”, afirma, acrescentando que chamou de imediato a polícia.

De acordo com o comerciante madeirense, a polícia enviou duas viaturas para o local, mas os agentes “não fizeram nada” para impedir a pilhagem em curso no supermercado e prender os responsáveis, tendo sido os seguranças privados a afastar os atacantes “com tiros para o ar e de balas de borracha”.

“Eram mais de uma centena a andar para cá e para lá a roubar. Pareciam formigas para cá e para lá porque arrombaram o estabelecimento por dois lados, pela frente e por trás e aquilo era só a acartar”, descreve este comerciante português, que acredita ter sido saqueado também pelos seus próprios clientes.

“Muitos deles vivem ali, são meus fregueses. Toda a gente soube que estava tudo aberto e como o inglês diz: é ‘self-service’. Só vinham acartar”, refere, acrescentando que o seu negócio “foi o único na zona a ser pilhado”.

Questionado pela Lusa sobre a atuação da polícia, Ângelo Agostinho lamenta: “A polícia nada fez, não deram um tiro para o ar, não fizeram nada, parece que está tudo combinado com eles [ladrões], parece que estavam à espera para roubar para eles também comerem, não fizeram nada e eles [polícia] a verem tudo”.

O comerciante estima agora em 2,5 milhões de rands (cerca de 150.000 euros) o prejuízo no negócio onde, além do supermercado de 1.300 metros quadrados, funciona também uma loja de bebidas, um take away e uma taberna, no prédio do qual também é proprietário.

Ângelo Agostinho Contou ainda que se sente “abondonado” na África do Sul: “Quero sair porque não me sinto bem, porque penso que se continuar no mesmo lugar amanhã vão fazer igual”.

“No princípio [quando atacavam] diziam que era contra os outros [imigrantes africanos], mas agora é o que vier porque a polícia não faz nada, e por isso esta gente tem muita liberdade, o negro sul-africano tem muita liberdade porque a polícia e a segurança privada não fazem nada e eles vão continuar a roubar, está visto”, afirma.

Devido à situação, o português admite mesmo regressar à Madeira porque a situação “não está boa”.

“Quem está a mandar [na África do Sul] pensa que sabe e não sabe mandar. Quem está a mandar não é rigoroso. Somos todos irmãos. É tudo igualdades. Não está bom”, considerou Ângelo Agostinho.