É possível recorrer das decisões do Tribunal de Contas?
Foi notícia ontem que o Tribunal de Contas (TdC) não emitiu o visto ao contrato da Associação de Promoção da Região Autónoma da Madeira - associação criada pela Direção Regional de Turismo e a Associação Comercial e Industrial do Funchal para promover o destino - para aquisição serviços neste âmbito junto da Nova expressão, Planeamento de Media e Publicidade. O concurso limitado por prévia qualificação foi lançado tendo por preço base 170.000 para três anos, verba destinada a remunerar os serviços prestados pelo adjudicatário. Fora deste valor, incluía ainda a gestão nesse período de, estimou, 10.967.200,08 euros, tudo sem IVA, em promoção nas redes sociais e meios de comunicação. A APM justificou junto do TdC que a empresa que venceu o concurso, candidata única, não tiraria proveito desse valor: “A realização de despesas com meios não traz qualquer contrapartida para o adjudicatário - pois, por um lado, este actua como mero intermediário entre a APM e o meio em questão o valor estimado, a ser gasto em campanhas não representa, para o adjudicatário, qualquer benefício económico, a ser obtido por este, uma vez que não lhe acresce qualquer contraprestação ou vantagem, decorrente da execução do contrato”. Mas o TdC manteve: “Os valores - ainda desconhecidos - a refacturar aqui à entidade adjudicante devem integrar o valor do contrato, porque representam uma parte do custo total do serviço a contratar e contratado e, consequentemente, do benefício económico geral ou global que o adjudicatário obtém, ainda que parte desse benefício seja o reembolso de um custo em que o co-contratante incorreu por força do contrato”. E continua: “Se a responsabilidade de contratar e pagar a esses terceiros é do adjudicatário, por força da execução do contrato, então esses encargos fazem parte do ‘pacote’ total do serviço e devem ser contabilizados para o cálculo do valor contratual. Este, o real, era e é, aqui, de 11.137.200,00 euros”. E recusou o visto. Sem este, o contrato fica sem efeito. A APM referiu que equacionou interpor recurso. É possível recorrer das decisões do TdC?
O TdC é um órgão fiscalizador, fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidades por infracções financeiras, exercendo as suas funções, entre outros, sobre o Estado, as regiões autónomas e autarquias, bem como sobre outras entidades, como institutos, associações, empresas públicas e públicas empresariais e fundações destes dependentes, por estes maioritariamente financiados ou sujeitas ao seu controlo de gestão.
As decisões jurisdicionais do TdC são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, sendo assegurado o princípio do contraditório, contemplado no artigo 13.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, que rege o TdC. Lá está estipulado que este tribunal deve ouvir os responsáveis individuais e os serviços, organismos e demais entidades interessadas e sujeitas aos seus poderes de jurisdição e controlo financeiro, sendo que no artigo 44.º é abordada a finalidade do visto e os fundamentos da recusa deste.
Diz o artigo específico que a fiscalização prévia tem por fim verificar se os actos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras directas ou indirectas estão conformes às leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria. Estabelece como fundamento para a recusa do visto a desconformidade dos actos, contratos e demais instrumentos que implique, lê-se, nulidade; encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras; e ainda ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro.
Estabelece o artigo 96.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas que as decisões finais de recusa de visto podem ser impugnadas, por recurso para o plenário da 1.ª Secção pelo autor do acto ou a entidade que tiver autorizado o contrato a que foi recusado o visto. No caso das secções regionais, os recursos estão previstos no artigo 109.º, são interpostos na secção regional, cabendo ao juiz que as proferiu admiti-los ou rejeitá-los.
Admitido o recurso, o processo é enviado, sob registo postal, para a sede do Tribunal de Contas, onde será distribuído, tramitado e julgado, refere a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
A Lei n.º 8/82, de 26 de Maio, aborda também e especificamente esta questão. O artigo n.º1 legisla que em caso de recusa de visto, pode a Administração, pelo membro do Governo competente, solicitar a reapreciação do acto pelo TdC. Diz o artigo 2.º que o pedido de reapreciação será feito mediante reclamação, desde que se verifiquem razões de facto ou de direito suficientemente relevantes. “A reclamação é feita por ofício, donde constem as razões de facto ou de direito em que a mesma se fundamenta, que deve dar entrada na Direcção-Geral do Tribunal de Contas no prazo de 30 dias contados da data do ofício que comunicou a recusa”, lê-se.
A reclamação pode ser admitida ou indeferida. Se for indeferida, o autor pode ainda recorrer para o plenário do Tribunal e caso haja duas decisões distintas, interpor um recurso extraordinário neste mesmo tribunal e pedir jurisprudência. De resto, as decisões do TdC não podem ser invalidadas por outro tribunal, excepto pelo Tribunal Constitucional, se a decisão violar a Constituição.
Num outro caso, em que foi interposto recurso de decisão do TdC para o Tribunal Constitucional, a conselheira deixou claro:
“A reserva de jurisdição do TdC não pode ser desrespeitada por quaisquer outras entidades públicas, a qual tem uma raiz no artigo 214.º da Constituição, sem embargo do reenvio dinâmico para o legislador ordinário também aí determinado”, o que implica “a inderrogabilidade, por quaisquer acordos ou decisões (ainda que de tribunais arbitrais), dos mecanismos de controlo (e respetivos efeitos) do Tribunal de Contas”. Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Perante o aqui exposto, é verdade que a Associação de Promoção da Região Autónoma da Madeira (APM) pode recorrer da decisão.