O Chega e o Espelho Partido da Democracia: Lições das Eleições em Portugal

As últimas eleições legislativas em Portugal deixaram um sinal claro e, para muitos, desconcertante: o CHEGA deixou de ser um fenómeno marginal para se afirmar como uma força política consolidada. Esta realidade impõe uma reflexão séria — não apenas sobre o partido em si, mas sobre o estado da democracia portuguesa, as suas falhas e os seus silêncios.

O crescimento do CHEGA não surgiu por acaso. É o resultado de um acúmulo de frustrações sociais, desconfiança nas instituições, descrédito nos partidos tradicionais e uma perceção generalizada de impunidade, corrupção e desigualdade. Muitos eleitores não votaram no CHEGA por afinidade ideológica com a extrema-direita, mas sim por sentirem que ninguém mais os ouve. É um voto de raiva, de ruptura, de desespero.

Ignorar este eleitorado ou etiquetá-lo simplesmente de “racista” ou “retrógrado” é um erro. Ao fazê-lo, a elite política e intelectual afasta ainda mais aqueles que já se sentem excluídos do sistema. O crescimento do CHEGA é, acima de tudo, uma consequência do falhanço dos partidos do centro em dar respostas eficazes a problemas reais: salários estagnados, precariedade laboral, um sistema de justiça lento, uma educação desigual, uma habitação inacessível.

É certo que o discurso do CHEGA muitas vezes alimenta a polarização, recorre ao populismo agressivo, mina o espírito democrático e simplifica questões complexas em slogans inflamados. Mas é igualmente certo que, em democracia, não se combate a extrema-direita com indignação moral — combate-se com respostas políticas sólidas, com justiça social e com reformas estruturais que voltem a dar esperança às pessoas.

Estas eleições mostraram que o país está profundamente dividido, não apenas em termos ideológicos, mas também em termos de expectativas quanto ao futuro. Há uma parte de Portugal que sente que tem tudo a perder e outra que sente que já perdeu tudo.

A presença robusta do CHEGA no parlamento impõe agora um duplo desafio: por um lado, a necessidade de isolar politicamente qualquer proposta que viole os valores fundamentais da Constituição; por outro, a obrigação de entender por que razão um partido com um discurso tão radical consegue mobilizar tantos votos.

O maior risco não é o CHEGA crescer — é o sistema político continuar a agir como se nada tivesse mudado.

O voto no CHEGA, gostemos ou não, é um sintoma. E como em qualquer doença, atacar apenas o sintoma sem cuidar das causas profundas não resolverá o problema. A verdadeira lição destas eleições é esta: ou a democracia se renova, ou será ocupada por quem a promete reinventar pelas vias mais perigosas.

Délcio Dorivaldo