O centro do nosso Funchal
Desde pequeno que ir ao centro era sempre um entusiasmo.
A cidade parecia maior, com a idade apercebemo-nos que é uma “aldeia”. A minha mãe comprava-me uma revista aos quadradinhos e/ou uma queijada. Ou quando eu ia ao cais para o meu pai fotografar navios.
Ainda sou do tempo do sinaleiro, de carapuças de tartarugas à venda, dos táxis preto e verdes, de mais reboliço automóvel, dos carros de bois (mas não me recordo sinceramente).
Hoje ainda é um pequeno prazer, ainda mais depois de ter vivido fora em cidades maiores.Quando descemos a Avenida do Infante e descemos à “downtown” e vemos o (frequentemente desligado?) repuxo.
Flanqueado pelas zonas altas e o mar, o nosso parque Santa Catarina com a sua visão panorâmica, mal imaginam as pessoas que aquilo foi um cemitério…
Cada dia é uma nova “peça” digna de Baltazar Dias, nesta “urbe” com este cenário e estes actores.
Na placa central, os braços góticos das árvores que nos sombreiam a calçada e os bancos verdes, do outro lado os esbeltos azulejos.
A Sé imponente que nem um foguete (rumo ao firmamento para quem acredita nisso).
Os nossos solos alvi-negros contrastam com o policromatismo.
O roxo do jacarandá e da tipuana amarela pegajosa nos sapatos…As cores do Funchal.
As estátuas hirtas excepto a do semeador (já se movimentou várias vezes, andou a semear por outros lados).
É uma cidade com um ritmo lento mas com uma luz alegre. Percorremos o centro em poucos minutos.
O misto de “arquitecturas” com os cartazes das mentiras eleitoralistas entrecruza o nosso olhar.
As ribeiras fluem mas já nem são floridas, porque não voltam as buganvílias?
As personagens que fizeram parte da urbe: o senhor invisual acordeonista, o pintor da Sé, o senhor do capacete, o senhor da mala, entre outros…
Ainda temos as floristas, as bordadeiras, as resistentes vendedoras de macela.
Temos poucos artistas de rua (pena não haver mais), começa-se a ver mais arte urbana ou menos…
As conversas fugazes (muitas com vernáculo) que se ouve enquanto vamos andando.
A Rua Fernão de Ornelas é a nossa “Main Street”, as manchetes coloridas nas tabacarias, as lojas, as esplanadas, os idosos a ler os jornais, os observadores, os falsos profetas, os “malucos”, os “small-talkers”, os turistas que nos visitam e as suas jovens bonitas.
Há falta de temas maiores, uma ocorrência anima a pequena cidade torna-se o tema do dia entres os transeuntes.
O ponto de fuga visual encaminha-nos ao mercado.
Chegamos à ex-intitulada Santa Maria do Calhau.
Os jogadores de cartas idosos concentrados e os seus atentos espectadores.
O mais bonito fontenário da Madeira - Largo do Poço (da cidade) sempre ofuscado (!).
O mercado que é uma cidade dentro duma cidade com as suas cores vivas, texturas e cheiros de frutas e vegetais. Praça do peixe. O odor a pescado, os berros dos peixeiros com botas sob o solo molhado e cabeças de peixes feios decapitadas com facalhões.
Os pobres vagabundos cães à volta sempre à espera de restos de carne.
O Funchal felizmente ainda tem a sua “alma” mas corre o risco de perdê-la…
Não encher a cidade com lojas de bugigangas, souvenirs e outros negócios de baixa qualidade…Temo pelo futuro.
O Funchal tem de saber preservar o seu património, quer seja os candeeiros, varandins, batentes de portas, brazões, fontenários, chafarizes, padrões, etc, etc…
Uma cidade com 517 anos de idade que nos deve orgulhar mas também nos exigir diariamente, de todos nós, de várias formas, mas ainda mais aos políticos.
Há que manter a “alma” da cidade mas mudar a mentalidade serôdia...
Rodrigo Costa