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Fact Check Madeira

Ireneu Barreto costuma indigitar no mesmo dia das audiências com os partidos o presidente do governo?

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À entrada para a audiência com o Representante da República para a Madeira, Ireneu Barreto, o líder do PSD-Madeira, Miguel Albuquerque, fez a seguinte afirmação: "Se for conforme é tradição, acho que no dia de hoje, se for essa a decisão do senhor Representante [da República], venho aqui hoje”. Ora a declaração remete para uma prática que a indigitação do presidente do Governo Regional acontece no mesmo dia em que o juiz conselheiro ouve as delegações dos partidos com assento parlamentar. Antes de irmos ao cerne da questão convém, antes, esclarecer alguns pormenores.

O que é a indigitação?

A indigitação do Presidente do Governo Regional é o acto pelo qual o Representante da República, figura que representa o Presidente da República na Região, propõe formalmente o nome de quem vai formar governo, após a realização de eleições legislativas regionais. Trata-se de uma etapa essencial no processo de formação do executivo regional. Embora o cargo do Representante da República tenha um papel sobretudo formal, tem a responsabilidade de garantir que o nomeado tenha condições parlamentares para assegurar a estabilidade governativa.

A legalidade e a prática

Importa distinguir entre o que é obrigatório por lei e o que é tradição ou costume político. A Constituição da República Portuguesa e o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira não impõem qualquer prazo específico para que a indigitação aconteça após as eleições. O que se exige é que o Representante da República ouça os partidos com representação parlamentar antes de tomar a decisão.

Assim, o momento exacto da indigitação é, na prática, uma decisão discricionária do Representante da República, orientada pelo bom senso institucional e pela clareza (ou não) do cenário político.

Dito isto, resta saber: há ou não uma tradição, na Madeira, de se indigitarem os presidentes do Governo Regional no mesmo dia em que os partidos são ouvidos?

Análise histórica 

Nos últimos 20 anos, a Madeira conheceu apenas dois presidentes do Governo: Alberto João Jardim (PSD), até 2015, e Miguel Albuquerque (também PSD), desde então. A hegemonia do PSD e, mais recentemente, a existência de coligações com o CDS-PP ou outros partidos, tem permitido maiorias mais ou menos estáveis, o que simplifica o processo de nomeação.

Nas eleições legislativas regionais de 24 de Setembro de 2023, o PSD e o CDS não conseguiram a maioria absoluta por si só (tendo eleito 23 deputados), mas garantiram a viabilização do governo através de um acordo com o PAN (1 deputado), alcançando os 24 assentos necessários para maioria absoluta.

As audiências com os partidos foram realizadas no dia 29 de Setembro e a indigitação de Miguel Albuquerque foi feita no mesmo dia em que concluiu as audiências, com base no acordo público conhecido.

Nas eleições regionais de 22 de Setembro de 2019, o PSD perdeu a maioria absoluta, mas estabeleceu de imediato uma coligação com o CDS-PP, que permitia uma maioria absoluta. As audiências com os partidos aconteceram a 27 de Setembro. A indigitação de Miguel Albuquerque foi feita no mesmo dia. Mais uma vez a tradição manteve-se. Com a coligação formalizada e o apoio maioritário claro, a decisão foi tomada rapidamente.

Vamos a outro caso. As eleições de 29 de Março de 2015 resultaram numa maioria absoluta do PSD, com 24 deputados em 47. As audiências com os partidos decorreram no dia 2 de Abril. A indigitação de Miguel Albuquerque aconteceu no mesmo dia, 2 de Abril. Resultado: Com maioria absoluta garantida pelo PSD, não houve necessidade de negociações adicionais. A indigitação foi feita no próprio dia.

Última maioria absoluta 

Nas eleições de Outubro de 2011, o PSD obteve 25 deputados, assegurando a maioria absoluta. As audiências com os partidos aconteceram poucos dias após as eleições. A indigitação de Alberto João Jardim ocorreu no mesmo dia das audiências. Mais uma vez segui-se o mesmo padrão: maioria clara, audiências breves e indigitação imediata.

Conclusão

A declaração de Miguel Albuquerque — “se for conforme é tradição, acho que no dia de hoje [...] venho aqui hoje” — é verificável e sustentada nos factos históricos.

Analisando as últimas quatro eleições regionais na Madeira (2011, 2015, 2019 e 2023), verifica-se que em todos os casos o Representante da República indigitou o presidente do Governo no mesmo dia em que terminou as audições com os partidos — desde que a situação política estivesse clara (maioria absoluta ou acordos públicos).

Ireneu Barreto, actual Representante da República, tem adoptado uma postura coerente ao longo dos anos: quando há uma solução governativa evidente, não adia a decisão. Isso faz parte de uma tradição de estabilidade política na Madeira, particularmente útil para evitar impasses ou cenários de incerteza.

No entanto, é importante reforçar que essa prática, embora habitual, não está legalmente vinculada a esse calendário. O Representante da República tem liberdade para levar mais tempo se o quadro parlamentar o exigir — por exemplo, em caso de empate, de coligações instáveis, ou de disputas internas nos partidos.

Por isso, embora a tradição aponte para uma indigitação no mesmo dia, isso não é uma regra obrigatória, mas sim uma prática consolidada baseada na clareza política do momento, logo a declaração de Albuquerque está alinhada com a prática observada nos últimos ciclos eleitorais na Madeira. Quando o cenário político é claro, como no caso de uma maioria absoluta ou de um acordo de coligação já conhecido, o Representante da República costuma indigitar o presidente do Governo no próprio dia em que ouve os partidos. Essa prática pode, com justiça, ser classificada como uma tradição regional.

A situação actual de 2025 mantém esse padrão na justa medida em que Miguel Albuquerque tem garantida maioria parlamentar com o CDS, suficiente (como sugere a sua presença confiante no Palácio de São Lourenço), o que é de esperar que seja indigitado no mesmo dia — dando sequência a essa linha de continuidade institucional.

"Se for conforme é tradição, acho que no dia de hoje, se for essa a decisão do senhor Representante [da República], venho aqui hoje”