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A Guerra Madeira

24 de Fevereiro: três anos da guerra e 11 anos de luta pela Liberdade

Um artigo Yuriy Samson, vice-presidente da Associação da Ucrânia com Amor, ex-combatente que vive na Madeira

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Na madrugada do dia 24 de fevereiro de 2022, hora de Kiev, a Ucrânia acordou com um ataque de mísseis e bombas, seguido pela marcha de milhares de unidades de equipamento militar pesado russo através das fronteiras da Rússia e da Bielorrússia. Naquele dia, o mundo todo estremeceu.

Os russos, com o apoio do regime marionete na Bielorrússia, previamente ocupada pela Rússia, iniciaram uma invasão em grande escala da Ucrânia, começando uma nova fase da maior guerra na Europa desde os tempos de Hitler, que Putin começou muito antes – em fevereiro de 2014, com a ocupação da Crimeia ucraniana.

Hoje, os líderes mundiais entendem a dimensão da ameaça: a Europa finalmente demonstra determinação em combater a "guerra híbrida" da Rússia, que Moscovo iniciou muito antes de 2014. Esta guerra foi travada por meio de ações de sabotagem contra os complexos de defesa de vários países membros da OTAN; o uso por oficiais dos serviços secretos russos de substâncias radioativas militares em Londres e armas químicas em Salisbury (Reino Unido); execuções públicas demonstrativas nas ruas e parques de Viena e Berlim, realizadas por assassinos enviados por Putin, e muito mais.

Até o ano passado, 2024, parecia que a OTAN finalmente estava unida no entendimento de que tentar apaziguar o agressor apenas confirma suas intenções de continuar matando e destruindo.

Infelizmente, a retórica do novo presidente dos Estados Unidos em 2025 novamente devolve a Humanidade aos erros de Munique em 1938, quando os líderes das nações democráticas concordaram em sacrificar a liberdade dos povos da Checoslováquia, entre os quais estavam os ucranianos, para "apaziguar" os nazistas alemães. É simbólico que a administração Trump tenha desistido de apresentar seu plano de acordo com Putin na conferência de segurança em Munique, julgando corretamente que a analogia com o "Munique 2" – o acordo das democracias com os fascistas – é demasiado óbvia.

Tudo isso ocorre no contexto da posição oficial de Moscovo, segundo a qual "na Ucrânia, a Rússia está em guerra com a OTAN", e da óbvia preparação da Rússia para uma agressão contra a Lituânia, Letônia, Estônia, Polônia, Suécia e Finlândia.

A um custo titânico e com a perda de inúmeras vidas, os ucranianos conquistaram tempo para a Europa, para que de Vilnius a Lisboa, povos e governos entendessem a gravidade da ameaça e se preparassem para enfrentá-la. Esse tempo para a Europa foi conquistado com o preço das vidas de civis ucranianos, que não planejavam guerrear nem morrer: em 2013, ano pré-guerra, a Ucrânia tinha apenas 120 mil militares profissionais. O número atual de pessoas que, com armas em mãos, detêm o exército de ocupação russo de milhões de soldados é um segredo militar, mas de acordo com as estimativas das agências de inteligência estrangeiras, chega a um milhão de ucranianos, homens e mulheres, que antes da invasão eram professores, médicos, engenheiros, estudantes, escritores, padres e confeiteiros.

Além do sacrifício de nossos combatentes voluntários, a Ucrânia, na defesa de si mesma e da Europa, paga também com as vidas de centenas de milhares de crianças, adolescentes, mulheres e idosos – habitantes de cidades e aldeias, que são sistematicamente destruídos pela artilharia, aviação e mísseis russos.

A Guerra que Mudou o Mundo

Esperando conquistar a Ucrânia "em três dias", ou seja, uma ocupação relâmpago seguida de genocídio da população desarmada, os russos estavam convencidos de que o mundo democrático não seria capaz de reagir adequadamente, deixando o povo ucraniano à mercê do agressor, como já havia acontecido duas vezes no século XX: após cada uma das grandes guerras mundiais, que inicialmente foram travadas no território da Ucrânia pelas potências europeias, e depois pelos regimes de Hitler e Stalin.

A coragem dos ucranianos e a disposição de lutar pelos ideais da Liberdade dissiparam as ilusões imperialistas de Moscovo. Cada dia de resistência das Forças Armadas da Ucrânia contra aqueles que, pouco antes, eram considerados a "segunda maior força militar do mundo", aumentava a determinação dos povos livres em apoiar a Ucrânia, especialmente a firmeza dos países membros da União Europeia e da OTAN. Espera-se que o mundo tenha, finalmente, mudado, principalmente em relação à compreensão do papel e da posição da Rússia no mapa mundial – como um país terrorista que se alimenta exclusivamente de guerras e caos, espalhados pelos russos por todo o planeta.

O perigo mortal para os povos do nosso continente é que essa compreensão não é suficientemente sólida, como vemos nos processos políticos em alguns países da Europa e, especialmente, nos Estados Unidos.

Pelo atraso da OTAN no apoio à Ucrânia e ao direito internacional, que garante a inviolabilidade das fronteiras e a punição pela agressão militar, o povo ucraniano está pagando com destruições e sofrimentos sem precedentes na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, causados pelo terror desencadeado pela Rússia contra a população civil da Ucrânia.

Nos anos de guerra da Rússia contra a Ucrânia:

  • Segundo um relatório da ONU, mais de 40.000 civis foram mortos, dos quais, segundo a UNICEF, mais de 2.000 eram crianças. Esses números não incluem as dezenas de milhares de corpos que ainda permanecem em fossas comuns nas áreas ocupadas e não podem ser contabilizados pelos peritos internacionais;
  • Cerca de 6 milhões de ucranianos se tornaram refugiados em todo o mundo, e mais de 3 milhões são deslocados internos, conforme o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados;
  • Dezenas de cidades e centenas de vilarejos foram destruídos pelos bombardeios russos, e a artilharia russa praticamente reduziu a pó locais como Bakhmut, Mariupol, Izium, entre outros. Desde o Natal até hoje, os russos estão destruindo a cidade de Pokrovsk, no Donbass ucraniano, onde, em 1901, o genial compositor ucraniano Mykola Lysenko criou a música para a canção de Natal que une todos os povos que celebram o Natal – "Carol of the Bells";
  • De acordo com o Banco Mundial, os danos à economia ucraniana ultrapassam 411 bilhões de dólares;
  • Ninguém sabe exatamente quantas mulheres, homens e crianças foram estuprados pelos soldados russos, quantos ucranianos passaram pelos campos de prisioneiros de guerra, quantas crianças foram forçadas a ser levadas para o interior da Rússia, e o destino delas permanece desconhecido. A alta cúpula do governo russo "coleciona" crianças ucranianas: a "ombudsman dos direitos das crianças" na Rússia, Lvova-Belova, que foi acusada pelo Tribunal Penal Internacional de crimes de genocídio, e o líder de um dos partidos "parlamentares" de Putin, Mironov, se gabaram publicamente diante de Putin de que haviam "adotado" crianças ucranianas sequestradas da Ucrânia.

Símbolos da tragédia ucraniana incluem dezenas de milhares de bandeiras nacionais que ondulam em todas as cidades e vilarejos sobre as sepulturas dos heróis ucranianos – os Heróis da Ucrânia.

Além dos mortos, temos ferimentos terríveis, tanto físicos quanto psicológicos: crianças que crescem em abrigos antiaéreos; famílias que perderam entes queridos. Nas áreas ocupadas, existem campos de filtragem e campos de concentração, além de prisões, pelas quais passaram dezenas de milhares de ucranianos. O terror contra os civis nas áreas ucranianas ocupadas pela Rússia é massivo e implacável. É por isso que os apelos à Ucrânia para "ceder território" são, na realidade, apelos para deixar centenas de milhares de ucranianos na escravidão russa.

Os ucranianos veem todos os dias, pessoalmente ou pelos meios de comunicação, como uma mãe que  procura seus filhos, após um ataque de mísseis em um prédio de apartamentos, ou como um homem enterra toda a sua família, ou como um idoso se senta nas ruínas de sua casa, sem lar e sem familiares; uma mãe, ensanguentada e ferida por estilhaços, amamenta seu bebé... Isso não são cenas de filme – é a dor diária dos ucranianos, que não pode ser medida em números.

A Ucrânia Luta Não Apenas Por Si Mesma

Esta guerra da Rússia não é apenas por território, pois o objetivo proclamado de Moscovo é a destruição dos ucranianos como nação, ou seja, genocídio.
A Rússia trava tais guerras contra a Ucrânia há mais de 370 anos, tentando assimilar os ucranianos e transformá-los em seus escravos silenciosos e submissos, exterminando os que se opõem.
Qualquer governo em Moscovo ou São Petersburgo, ao longo dos séculos, tentou destruir a Ucrânia e tudo o que é ucraniano, qualquer sinal de identidade ucraniana era perseguido e banido, e seus portadores, alvo de terror. Os defensores da Liberdade dos ucranianos morriam em massa nos campos russos na Sibéria ou eram mortos no exílio – na Europa e na América, por espiões russos.

A Ucrânia democrática e independente, com sua simples existência, coloca em questão o futuro do império russo, que agora se chama “federação”. Um império que é uma prisão para centenas de povos subjugados. Hoje, Moscovo envia para a guerra contra a Ucrânia centenas de milhares de homens desses povos subjugados: chechenos, buriatas, tártaros e até ucranianos dos territórios ocupados, morrendo pelos sonhos imperiais de Putin.
Se não sofrer uma derrota, a Rússia nunca se limitará às fronteiras da Polônia, Eslováquia ou Hungria. Putin busca a vitória, em parte, para mobilizar os ucranianos para o seu exército e sonha em envolver nossos destemidos guerreiros em sua marcha contra a civilização ocidental.
Como seu predecessor Stalin (que, junto com Hitler, iniciou a Segunda Guerra Mundial, e ao “libertar a Europa”, trouxe o totalitarismo soviético para metade dos países europeus), para preservar e expandir seu império, Putin irá mais longe, mobilizando ucranianos e bielorrussos para o exército russo.

A batalha pela nossa e pela sua Liberdade, segurança e valores democráticos, pelo futuro de toda a Europa, está acontecendo neste momento nas áreas das cidades ucranianas, cujos nomes, graças à lendária coragem de seus defensores, agora são conhecidos por todo o mundo. Os ucranianos hoje seguram a linha contra o agressor, que não esconde seus planos imperiais de subjugar a Europa: quem conquistar, e quem forçar a aceitar regimes leais a Moscovo, como já foi no século XX.

Putin fala abertamente sobre a restauração da URSS e do “bloco de Varsóvia” e constantemente ameaça os países vizinhos, incluindo os membros da OTAN.
As sanções contra o agressor, a ajuda à Ucrânia com armas e financiamento – não são apenas apoio a um aliado, mas um investimento na segurança da Europa, no futuro do mundo civilizado. Se os países ocidentais, após 24 de fevereiro de 2022, tivessem cedido ao medo e se recusado a ajudar a Ucrânia, como Putin esperava, hoje haveria “pontos quentes” e “conflitos locais” nos países bálticos, na Polônia, na Moldávia, a Geórgia estaria completamente ocupada – como a Bielorrússia está de facto ocupada hoje.

Esta guerra é um teste à unidade e determinação da Europa e de todo o mundo livre e civilizado.

A Guerra Híbrida da Rússia na Europa

A Rússia, por enquanto, não ameaça diretamente Portugal com tropas nas suas fronteiras, embora não devamos esquecer, como chamou atenção recentemente o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, em Lisboa – os navios de guerra e bombardeiros russos constantemente representam uma ameaça para a costa portuguesa.

Mas a Rússia continua a travar uma guerra híbrida contra todo o Ocidente. Não podemos subestimar essas ameaças, e muito menos nos tornar cúmplices involuntários do regime russo. Por mais que a propaganda russa, mascarada de Tchaikovsky ou Tolstoi, tente se esconder, sempre seguirão mísseis e tanques.

Entre os métodos dessa guerra estão:

  • Desinformação – A propaganda russa através das redes sociais e da mídia, com a missão dos departamentos de serviços secretos de dividir a sociedade, criar caos e minar a confiança nos governos dos países democráticos;
  • Ciberataques – Hackers russos atacam regularmente instituições governamentais, bancos e infraestruturas críticas dos países europeus;
  • Apoio financeiro a movimentos radicais extremistas – A Rússia patrocina partidos de extrema-direita e extrema-esquerda que defendem a desintegração da União Europeia, a interrupção da ajuda à Ucrânia, e que propagam o fascismo, entre outros;
  • Chantagem energética – O Kremlin usa gás e petróleo como armas, tentando ditar suas condições aos estados europeus;
  • Atividade subversiva e de sabotagem direta – Agentes de influência e espiões, tanto entre funcionários de várias organizações russas como cidadãos de países terceiros recrutados.
    O tipo mais promissor de guerra híbrida, na visão de Moscovo, é o "Rossotrudnichestvo" e vários centros russos, assim como a criação de supostas organizações não governamentais que têm como objetivo a disseminação da cultura russa e a realização de atividades beneficentes. No entanto, essas organizações são financiadas pelo orçamento do governo russo, e suas atividades secretas envolvem a subversão dos valores democráticos, a propagação da propaganda russa, espionagem e, em alguns casos, sabotagem e até assassinatos. Muito frequentemente, podemos até ouvir publicamente que essas organizações e agentes de influência de Moscovo supostamente se opõem à guerra na Ucrânia, mas toda sua atividade é direcionada exclusivamente para atividades antiestatais no país onde estão registados, e para impedir a ajuda à Ucrânia, o que, na prática, acabaria por apoiar a Rússia nesta guerra.

Lembremos: se a Rússia parar de lutar, a guerra acabará; se a Ucrânia parar de se defender, acabará a existência de toda a nação ucraniana.
Até o governo do Azerbaijão, que, assim como a Ucrânia até 1991, foi ocupado pela Rússia e considerado um estado amigo da Rússia, anunciou recentemente o fechamento do "centro cultural e informativo" russo em sua capital, Baku. Por outro lado, infelizmente, os estados ocidentais, que a Rússia declarou inimigos, continuam a tolerar os centros subversivos russos e a atividade das marionetes de Putin em seus territórios.

Obrigado, Portugal!

Os ucranianos lembrarão para sempre: Portugal nunca se manteve alheio a esta guerra e, desde os primeiros dias da agressão em grande escala da Rússia, fez muitos esforços para aproximar a vitória da Ucrânia e diminuir o sofrimento dos ucranianos. Isso se aplica tanto ao governo quanto aos cidadãos comuns, em Portugal participaram na coleta de alimentos, abriram suas casas para os ucranianos, doaram dinheiro para iniciativas de caridade e até se alistaram como voluntários na Legião Internacional das Forças Armadas da Ucrânia.
Agradecemos a Portugal pelas armas e ajuda humanitária fornecidas, pela acolhida generosa aos refugiados, pelo apoio contínuo e firme à Ucrânia no cenário internacional. Essa ajuda é algo que os ucranianos nunca esquecerão.

No entanto, pedimos que lembrem que a guerra continua e a agressão russa não diminui. Sabemos que o mundo está cansado de más notícias, mas essa luta por valores comuns para nós e para os portugueses ainda não acabou. Agora é o momento crítico, quando o apoio dos nossos parceiros é mais importante do que nunca. Isolar-se desta guerra e dos problemas que ela gera hoje, significa convidar a guerra e os problemas para o seu próprio país amanhã.
Nos últimos três anos, muitos ucranianos encontraram abrigo temporário na Madeira – principalmente mulheres, crianças e pessoas idosas. Entre eles estão muitos parentes e entes queridos daqueles que agora estão lutando pela defesa da Ucrânia ou que já morreram nas batalhas pela Liberdade.

Agradecemos ao governo da Madeira e aos madeirenses pelo apoio. Nos primeiros meses da grande guerra, os moradores locais dividiram as suas casas connosco, ajudaram a encontrar trabalho. Mas o maior agradecimento é pelo entendimento e pelo calor humano, que todos os ucranianos receberam na Madeira. Os ucranianos estão-se a integrar, trabalhando, aprendendo português e sonham em voltar para casa quando a guerra acabar.

24 de fevereiro não é apenas uma data quando os ucranianos ao redor do mundo, e especialmente na Madeira, se reúnem para marcar o aniversário da invasão. É um lembrete de que o Mal não desaparece por si só, que a Rússia não vai parar na Ucrânia, e que apoiar a Ucrânia é uma contribuição para o futuro pacífico e feliz das próximas gerações em todo o mundo.
Queremos que a guerra nunca chegue a Portugal, à florente Madeira, ou a qualquer outra parte do mundo democrático. Por isso, no dia 24 de fevereiro, vamos às ruas do centro do Funchal para lembrar uma verdade simples: a Liberdade não é um presente dado por ninguém, e quem quer destruir a Liberdade, só pode ser derrotado pela unidade, pela determinação e pela fé inabalável na vitória!