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SIADAP (Sonegador intencional e automático de direitos na Administração Pública)

Manuel (nome fictício), 64 anos, é técnico superior num serviço público regional, há muitos anos. Dentro de 2 anos, reunirá as condições para se aposentar, mas vê-se obrigado a permanecer em funções até aos 70 anos, para tentar melhorar um pouco o valor da sua aposentação. Na verdade, as condições de progressão e os critérios arbitrários e tendenciosos da avaliação têm-lhe empatado a carreira. O mais recente obstáculo foi o resultado do último processo de avaliação. Estava a contar progredir, ao fim de tantos anos, mas com a menção de “Regular”, ainda não é desta. Talvez lá para 2027 consiga.

Quem pode trabalhar motivado, assim? Porém, não é só a avaliação a puxar para baixo; é toda a estrutura do serviço, assente em concursos feitos à medida e na filiação partidária, com os cargos superiores a serem ocupados por pessoas menos habilitadas profissional e cientificamente do que Manuel. Ele tem um curso superior que lhe permite exercer na área em que trabalha. No entanto, acima de si, a coordenar o serviço, está uma pessoa incompetente, na perspetiva de Manuel, e sem habilitação naquela área profissional, mas de confiança política para quem a nomeou. Não é a única naquele serviço. Acima de todos, o manda-chuva, que coordena todos os serviços por ali e que faz a ponte com o Governo. É ele o seu avaliador. Também menos habilitado do que Manuel, faz acontecer com um estalar de dedos ou com um simples olhar. Olhou Manuel e decidiu: “Regular”. Manuel puxou por evidências do seu trabalho que comprovavam o total cumprimento dos parâmetros de avaliação e de provas de que foi além dos objetivos definidos pelo serviço. No entanto, o veredicto manteve-se: “Regular”. Manuel mudou de estratégia, apelou ao coração do chefe: que estava em vias de se aposentar, que ficaria com uma pensão miserável, que sempre estivera disponível, que os custos financeiros com a saúde eram cada vez maiores… “Regular”, repetiu, inflexível e friamente. Manuel lembrou os 30% para classificações “Muito Bom” e os 30% para classificações “Bom”, se não caberia em nenhuma? “Estão todas atribuídas, se mais houvesse, ainda assim, ficavas de fora”. Manuel convenceu-se de que as suas forças eram insuficientes para derrubar aquele muro.

Manuel não é filiado em nenhum partido político e vota em função das propostas e dos candidatos, conforme lhe dita a sua consciência. Paga um preço alto pela sua liberdade. A injustiça provoca-lhe amargos de coração, mas não tem a alma à venda, por mais que, à sua volta, tudo lhe diga que hipotecá-la seria um negócio, materialmente, bem rentável. Aceita o destino, mas não vende a alma ao diabo.

Dúvida óbvia: Porque não acaba a RAM, como fizeram os Açores em 2023, com as quotas para a progressão na administração pública, com excelentes resultados a vários níveis, segundo o próprio governo açoriano?