Vontade da vítima "não é essencial" para suspender processo por violência doméstica
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) alertou hoje que a vontade da vítima "não é essencial" para a suspensão de um processo por violência doméstica, passando a decisão pela probabilidade de o agressor reincidir.
Paulo Lona falava à Lusa a propósito da suspensão provisória do processo por violência doméstica em que é arguido um bombeiro, apanhado em agosto por câmaras de videovigilância a agredir a mulher à frente do filho do casal, em Machico, na Madeira.
A suspensão foi determinada em 17 de dezembro em sede de decisão instrutória pelo Tribunal de Instrução Criminal do Funchal, com a concordância do Ministério Público, do arguido, e da ofendida, que, em 04 de outubro, tinha informado não querer prosseguir com o procedimento criminal, esclareceu hoje, em comunicado, a Comarca da Madeira.
Ressalvando não conhecer os contornos do caso, o presidente do SMMP explicou à Lusa que, embora compreenda que a vontade da vítima "seja relevante" para a decisão, tal "não é essencial", uma vez que a violência doméstica é um crime público.
Para Paulo Lona, a decisão "terá sempre", em geral, de passar por "um juízo de avaliação" por parte dos magistrados se é provável ou não" que os factos em investigação "possam vir a repetir-se".
"Claro que isto é sempre um juízo que pode ser falível, não é? Mas tem de ser um juízo fundamentado nos factos que estão no processo", concluiu.
A Lusa tentou ainda, sem sucesso, ouvir hoje o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) sobre o caso.
Em 20 de outubro, o Ministério Público acusou o bombeiro detido em agosto no concelho de Machico de dois crimes de violência doméstica agravada, praticados contra a mulher e o filho, de 9 anos.
De acordo com a acusação, na madrugada de 24 de agosto de 2025, o arguido dirigiu-se a uma habitação em Água de Pena, freguesia do município de Machico, na zona leste da ilha, onde as vítimas se encontravam a residir, e "agrediu violentamente a mulher na presença do filho, o qual não só pediu repetidamente ao pai para cessar a conduta como chegou a colocar-se entre este e a mãe para a proteger".
Quatro dias mais tarde, esclareceu hoje a Comarca da Madeira, o arguido pediu a abertura da instrução, admitindo a ida a julgamento, mas pela prática de um crime de ofensa à integridade física.
Antes, em 04 de outubro, a ofendida remetera ao processo um 'e-mail' garantindo que o comportamento do arguido fora "um ato isolado e que a situação tem causado sofrimento ao filho" e realçando não se opor "a uma eventual suspensão provisória do processo, mediante a condição daquele se sujeitar (e concluir) a tratamento ao alcoolismo em instituição adequada, sob a vigilância" da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
No dia seguinte, o presumível agressor, de 35 anos, fez um pedido no mesmo sentido, propondo adicionalmente a frequência de "programa da DGRSP para agressores em contexto de violência doméstica".
À data, tal poderia ter sido proposto pelo Ministério Público, que, no entanto, optou por deduzir a acusação, acabando a decisão por ser tomada na instrução pela juíza de instrução criminal do Funchal, após ouvir a vítima e interrogar o arguido e com a concordância de todas as partes.
O processo ficará assim suspenso durante um ano e, caso o arguido não reincida nesse período na prática do crime e conclua o tratamento ao alcoolismo e frequente o programa para agressores, será arquivado, sem possibilidade de ser reaberto.
Com a decisão instrutória, cessaram as medidas de coação aplicadas ao arguido, que estava sujeito a prisão domiciliária com vigilância eletrónica desde 15 de outubro e já tinha estado em prisão preventiva.
A suspensão provisória do processo foi avançada no domingo pelo Diário de Notícias da Madeira e foi entretanto criticada por associações de combate à violência doméstica.
Agressor perdoado pela mulher livra-se da justiça
A manchete desta edição de 21 de Dezembro de 2025 revela que Mulher perdoa agressor e caso não será julgado. Acrescentamos que "as imagens do bombeiro de Machico a bater na mulher na presença do filho de 9 anos, captadas em vídeo, chocaram o País no passado mês de Agosto". Leia tudo na página 5.