Uma construção sobre um pântano
Há dias em que a democracia parece um edifício bonito por fora, iluminado para ser fotografado, mas com as fundações a ceder por dentro. Não por falta de votos ou de discursos inflamados, mas porque debaixo das palavras grandes continua a morar a pobreza, a ingenuidade e a ausência quase estrutural de cultura democrática. E é nesse vazio que proliferam instituições, organismos, programas e comissões que crescem como hera agarrada a uma parede frágil: alimentam-se da fragilidade para poder existir. E pensar que essa mesma miséria serve para sustentar muita gente e até como promoção e marketing de grandes empresas? Chamam-lhe Estado social, proximidade, solidariedade, apoio. Mas muitas vezes é apenas sobrevivência burocrática. São máquinas que se movem não para resolver problemas, mas para assegurar que os problemas permanecem o suficiente para justificar relatórios, financiamentos, cargos e discursos.
A pobreza torna-se o combustível, a ingenuidade a matéria-prima, a falta de participação cívica a garantia de continuidade. E o povo, cansado e descrente, olha para estas estruturas como quem observa um labirinto que nunca foi para ser percorrido apenas para mantê-lo ocupado, confundido, silencioso. Democracia, dizem, é liberdade. Mas que liberdade existe quando tantos dependem de mecanismos que não os libertam, apenas os mantêm amarrados com fitas decoradas de palavras bonitas? É um fracasso silencioso, quase educado. Não se vê nas praças, mas nas filas intermináveis para apoios que nunca chegam na forma de dignidade. Não está nos livros de civismo, mas nas conversas sussurradas de quem já não acredita que a sua voz tem utilidade. É um fracasso que se disfarça de normalidade e é isso que o torna tão profundo. Não há democracia plena quando a miséria é rotina, quando a ignorância política não é combatida, e quando as instituições crescem apenas porque os problemas persistem. Uma democracia madura emancipa; uma democracia frágil administra dependências. E talvez o maior fracasso seja este: habituarmo-nos a viver dentro de uma democracia que existe no papel, mas que, na vida real, continua a pedir ao povo que agradeça por muito menos do que merece.
Será que no dia em que surja um político corajoso que de forma digna e determinada seja a voz do cidadão que se sentem marginalizados e se empenhe em tentar resolver os problemas básicos duma sociedade ferida, talvez doente com uma epidemia que é constantemente renovada, uma infestação de vírus político da corrupção, esse personagem terá o compromisso e a responsabilidade de manter a esperança em poder resolver esses problemas. Nesse dia essa pessoa esvaziará o espaço dos oportunistas e preencherá a esperança dum povo que não suporta mais a humilhação a que está a ser conduzido. Agora mais do que nunca precisamos de muita coragem para Mudar Portugal.
A. J. Ferreira