Crise na habitação: a solução está no céu?
É inegável que existe na nossa cultura um preconceito transversal contra as construções em altura: por norma, achamos que são desnecessárias e feias. Mas terá de ser sempre assim? Por esta altura não será novidade para ninguém que atravessamos uma crise habitacional sem precedentes, e enquanto escrevo estas linhas, vejo neste Diário a seguinte notícia: “Taxa de esforço no arrendamento no Funchal é de 100%” - o que significa que, quem pretende arrendar casa, terá de o fazer pelo valor do seu salário. É uma situação absolutamente insustentável e que merece (mais) uma reflexão profunda.
A par de todas as medidas que têm sido tomadas para estimular o aumento da oferta de imóveis no mercado - nomeadamente, a redução da carga fiscal, a habitação pública, o arrendamento apoiado ou a habitação a custos controlados - há uma que teima em não surgir: a construção em altura.
Existe, como disse, um preconceito cultural contra os edifícios altos. São alvos da crítica fácil e os decisores políticos normalmente não arriscam – mas vivemos numa ilha, vamos crescer para onde?
A proteção da nossa costa e da nossa natureza, auxiliada pelo relevo acidentado da ilha, fazem com que os terrenos aptos para construção sejam limitados. Por serem limitados, são caros. Então porque não potenciar esses escassos terrenos, permitindo construções mais altas? Desta maneira, além de passarmos a ter, em muitos casos, o dobro das frações, os custos da operação seriam diluídos por mais unidades, fazendo com que os imóveis, além de chegarem ao mercado em maior número, chegassem a preços mais acessíveis. Esta dinâmica seria sobretudo sentida nas habitações a custos controlados. Com esta maior oferta de imóveis no mercado, haveria um alívio da pressão do lado da procura. Além disso, esta potencialização do uso do espaço, seria uma excelente forma de preservar as zonas verdes, de reduzir a pegada ecológica e maximizar a eficiência energética.
Naturalmente, a ideia não é transformar a Madeira em Hong Kong ou Manhattan. Longe disso. Sabemos quem somos, o que temos e o que queremos, mas edifícios de 15 ou 16 andares, em zonas adequadas, não me chocam, nem me parecem uma visão utópica. Compreendo que temos de respeitar a nossa orografia e as nossas tradições arquitetónicas, como também compreendo que somos um destino turístico e quem nos visita, fá-lo sobretudo pela natureza e pelo clima. Mas isso não prejudica que possamos inovar – ainda para mais quando temos carências ao nível do parque habitacional. Evidentemente, esta possibilidade de construção mais alta (e revisão dos Instrumentos de Gestão Territorial), deverá ser precedida de rigorosos estudos de impacto ambiental e cultural, sem esquecer as eventuais vulnerabilidades sísmicas. Mas seria importante que a construção mais alta deixasse de ser, antes de tudo, encarada como um dogma e passasse a ser uma possibilidade. Se acredito que a construção vertical é a solução, por si só, para os problemas habitacionais? Não. Se acredito que pode ser parte dessa solução e merece ser trazida para a discussão pública? Absolutamente.