Até onde pode crescer o turismo na Madeira?
Saiba, aqui, o que é a capacidade de carga e que factores podem influenciar a sua determinação
O secretário regional de Turismo, Ambiente e Cultura anunciou, ontem, que a partir de 1 de Janeiro o acesso aos percursos recomendados exigirá reserva prévia, em função dos limites definidos por intervalos horários atendendo a um máximo diário. O objectivo passa por distribuir os visitantes ao longo do dia, evitando que “vão todos à mesma hora para o mesmo local”.
Com o número de turistas que chegam à Madeira a aumentar a cada ano, a discussão sobre os limites do turismo tem ganho destaque no debate público regional. Os recorrentes problemas de trânsito em alguns pontos turísticos e a maior afluência de pedestrianistas aos percursos pedestres classificados mais populares não vierem contribuir para uma mitigação dos eventuais problemas que daí resultam.
Recentemente, o Governo Regional, através da Secretaria Regional de Turismo, Ambiente e Cultura, após largos meses a recusar a existência de qualquer problema nesse âmbito, deu conta da realização de um estudo, por parte da Universidade da Madeira, com o objectivo de aferir a capacidade de carga de alguns dos locais e percursos mais icónicos, com o objectivo de redefinir regras de acesso.
Mas o que é a capacidade de carga? É isso que procuraremos aqui explicar.
Em regiões com forte pressão turística, como tem disso o caso da ilha da Madeira nos últimos anos, torna-se cada vez mais importante compreender até que ponto um território pode receber visitantes sem comprometer o equilíbrio ambiental e ecológico, mas também sem colocar em causa a qualidade de vida dos residentes ou a experiência dos próprios turistas. É aqui que entra um conceito central para o planeamento sustentável: a capacidade de carga turística.
Neste contexto, a capacidade de carga refere-se ao número máximo de visitantes que um determinado local pode suportar num período pré-definido – por hora, por dia, por época ou por ano – sem que surjam impactos negativos irreversíveis.
Esta capacidade não é apenas física; é também ecológica, social, económica e psicológica. Ou seja, deverá incluir factores tão diversos como a pressão sobre percursos e as áreas naturais, a disponibilidade de água, a gestão de resíduos, o congestionamento urbano, o aumento do preço da habitação ou até a sensação de saturação que os visitantes podem sentir quando percorrem ou frequentam espaços demasiado cheios.
Entre os vários modelos desenvolvidos para medir tais limites, um dos mais utilizados em contextos naturais – como reservas naturais ou zonas protegidas – é o método de Cifuentes, criado pelo investigador chileno Miguel Cifuentes, em 1992, mas que tem sido adaptado, ao longo dos anos, à evolução dos ditames associados à preservação dos espaços naturais e à sua sustentabilidade, mas, também, à melhoria das ferramentas disponíveis para esse fim.
Na prática, este método avalia, de forma quantitativa, quantas pessoas pode um determinado espaço receber em segurança, preservando simultaneamente os ecossistemas. A fórmula calcula a chamada Capacidade de Carga Turística a partir de três níveis: capacidade física, capacidade real e capacidade efectiva.
A capacidade física define quantas pessoas caberiam num espaço num determinado período, considerando dimensões, tempo de visita e fluxo de circulação. Depois, esta capacidade é reduzida através de factores de correcção, como a fragilidade do solo, riscos de erosão, condições meteorológicas, necessidades de conservação, horários de manutenção ou zonas sensíveis. Da aplicação destas variáveis resulta a chamada capacidade real, que reflecte os limites ambientais de um determinado local. Por fim, a capacidade efectiva considera ainda aspetos de gestão, como o número de vigilantes, a existência de infraestruturas de apoio ou a capacidade dos serviços de emergência. Portanto, em análise deverão estar, consoante cada situação, inúmeros factores.
Ora, na Madeira, onde o turismo é impulsionado, em grande parte, pelas belezas naturais, e tendo a Região vários espaços protegidos e associados a determinações internacionais no âmbito da preservação da biodiversidade e habitats, este tipo de cálculo ganha maior relevância.
A procura crescente e excessiva por determinados percursos pedestres ou áreas de lazer e de grande aptidão turística podem originar constrangimentos que obrigam a uma monitorização adequada. Em causa poderá estar, por exemplo, a compactação dos solos, o desgaste da vegetação, o aumento de lixo ou o distúrbio da fauna local. A aplicação do método de Cifuentes permite estabelecer limites diários de visitação e equilibrar protecção ambiental com fruição turística, algo que há vários meses vinha sendo ‘pedido’ pela opinião pública e pelos partidos da oposição.
A definição da capacidade de carga turística, como a apontada pelo método de Cifuentes, não pretende ‘travar’ o turismo, mas orientá-lo. Sendo devidamente aplicado, o mesmo permitirá assegurar que a Madeira prima pela autenticidade, com equilíbrio e preservação, tanto para residentes, como para visitantes e para as gerações futuras.
A determinação da capacidade de carga, embora a agora anunciada ainda não seja cabalmente conhecida, não é algo novo na Madeira. Há mais de uma década que a Região dispõe de Planos de Ordenamento e Gestão de áreas naturais protegidas, onde esse aspecto está devidamente salvaguardado.
Ainda que as mesmas possam estar desactualizadas e careçam de adequação a uma nova realidade (percursos melhorados, situação ecológica diferente, alterações climáticas, etc.), são essas capacidades de carga que, para todos os efeitos, se mantêm, neste momento, em vigor.
Por exemplo, no Plano de Ordenamento e Gestão da Laurissilva da Madeira, aprovado em 2009, a capacidade de carga diária definida para a Levada do Caldeirão Verde é de 366 visitantes. Mas para o Caminho do Pináculo e Folhadal esse número baixa para 29 visitantes diários ou 17 visitantes por dia na Levada dos Cedros.
Entretanto, os novos estudos levados a cabo pela Universidade da Madeira deverão determinar outros limites, como ontem deixou perceber o governante com as pastas do Turismo e do Ambiente. Ainda assim, não são, por enquanto, conhecidos detalhes das variáveis tidas em conta neste âmbito, pelo que as considerações que possam ser feitas pecarão por falta de dados.
Eduardo Jesus anunciou que a partir de 1 de Janeiro o acesso aos percursos recomendados exigirá reserva prévia, em função dos limites definidos por intervalos horários atendendo a um máximo diário. O objectivo passa por distribuir os visitantes ao longo do dia, evitando que “vão todos à mesma hora para o mesmo local”.
Não foram, por enquanto, divulgados detalhes sobre a implementação desta medida, nem que percursos pedestres ou pontos turísticos deverão ser abrangidos, ou mesmo qual a capacidade máxima e como se fará a distribuição ao longo do dia. Sabe-se, para já, que os residentes e os operadores turísticos também estarão obrigados à reserva de lugar, sem contudo ter sido esclarecido se haverá lugares reservados aos madeirenses ou aos operadores turísticos, à semelhança do que acontece noutros realidades insulares, como é o caso de Canárias ou dos Açores.
De referir que, no início deste mês de Novembro, o DIÁRIO procurou saber, junto da Secretaria Regional de Turismo, Ambiente e Cultura, que medidas já tinham sido colocadas no terreno a este respeito e quantas pessoas visitavam diariamente alguns espaços naturais, mas sem sucesso.