Banca alinha-se na transição sustentável, mas assume ritmos diferentes
CGD, Santander e Crédito Agrícola convergem no rumo ESG, divergindo na maturidade e nos desafios
A mesa-redonda ‘ESG – O Papel dos Bancos em Portugal na Transição Sustentável das Empresas – Boas Práticas’, moderada por Ricardo Miguel Oliveira, director-geral editorial da EDN e director do DIÁRIO e da TSF Madeira, reuniu três administradores do sector financeiro para discutir o impacto da sustentabilidade no crédito, no risco e na competitividade empresarial: João Tudela Martins (CGD), Miguel Belo de Carvalho (Santander) e João Laranjeira (Crédito Agrícola). O debate evidenciou consenso no sentido da transição, mas diferenças claras no ritmo e no grau de maturidade das instituições e das empresas.
João Tudela Martins afirmou que a sustentabilidade “já está totalmente consolidada” na Caixa Geral de Depósitos, tanto na cultura interna como na forma como o risco é avaliado. Contudo, reconheceu que o tecido empresarial — sobretudo PME — está “numa fase distinta”, marcada pela dificuldade em recolher dados consistentes sobre emissões, riscos físicos e trajectórias de descarbonização.
A falta de informação simples e granular é, para o administrador, o principal obstáculo: “Precisamos de dados que permitam calcular a pegada carbónica e projectar o caminho futuro das empresas.” Acrescentou que os riscos físicos e de transição já contam de forma explícita na concessão de crédito, sendo decisivo perceber se, mesmo com um rating ESG mais fraco, a empresa está a traçar um caminho sólido.
Miguel Belo de Carvalho reforçou que a sustentabilidade já faz parte da prática diária do Santander, quer na gestão interna, quer na oferta de produtos financeiros associados a metas ambientais e sociais.
Apesar da maturidade crescente, alertou que a transição é um processo contínuo: “O trabalho nunca estará feito.” Sublinhou o impacto directo do financiamento sustentável, destacando projectos de energia renovável, habitação eficiente e os sustainable linked loans, que ajustam condições de crédito ao cumprimento de metas ESG.
O administrador sublinhou ainda um ponto incontornável: o investimento necessário. “A transição energética não avança sem capital. É preciso compromisso — e muito capital — para transformar modelos de negócio”, afirmou. Também destacou o peso crescente da futura competitividade externa, dependente da integração em cadeias de valor cada vez mais exigentes.
João Laranjeira colocou o foco nas micro e pequenas empresas instaladas em territórios de baixa densidade, onde o Crédito Agrícola tem maior presença. Lembrou que, para muitos destes agentes económicos, o ESG é frequentemente percebido como “conceito abstracto ou imposto”. O desafio, disse, é convertê-lo em acções concretas que permitam o acesso a financiamento e novos mercados.
A aposta do banco passa por formação, parcerias no terreno e acompanhamento próximo, sobretudo no sector agrícola. “O objectivo é que o ESG deixe de ser visto como um custo e passe a ser entendido como investimento”, sublinhou.
A regulação europeia foi tema transversal às intervenções. Belo de Carvalho considerou que, embora necessária, tem avançado “a um ritmo desajustado”, criando pressão num mercado que ainda não está preparado para recolher e reportar informação de forma sistemática.
Tudela Martins lembrou que, apesar das dificuldades, a integração dos riscos físico e de transição no crédito já é uma realidade, influenciando decisões e a orientação estratégica das empresas.
Apesar das diferenças na maturidade e operacionalização, os três administradores convergiram num diagnóstico: a sustentabilidade é já uma linha de fronteira para empresas que pretendem competir, financiar-se e atrair talento.
Como sintetizou Miguel Belo de Carvalho, “não se trata apenas de carbono ou energia, mas de um modelo empresarial mais transparente, ético e resiliente”. E deixou o aviso final: “Quem não fizer este caminho ficará fora dos mercados.”