Quando CHEGA o rescaldo

A sensação que fica destas eleições autárquicas é que nem tudo o que parece, é. Ou chega o fim do socialismo, ou é o “socialismo da moda” que chega!

Quem diria que um partido com 50 anos de governação, tão desgastado, tão maltratado e contestado, assolado pela oposição e até por escândalos de corrupção, voltaria a destacar-se? Sim, porque convenhamos: o PSD foi o grande vencedor.

O PS continua a ser o eterno derrotado, cada vez com menos capacidade até para exercer o papel de oposição. O JPP continua a crescer e a afirmar-se como o segundo partido regional.

Mas a surpresa da noite foi, sem dúvida, a vitória do CHEGA no concelho de São Vicente — talvez até um pouco contra todas as previsões. As conturbações internas da social-democracia borraram a pintura e abriram espaço para que o voto de protesto se fizesse sentir e se manifestasse de forma expressiva.

O candidato vencedor, que já passou por diferentes forças políticas, deu um salto da esquerda para a direita e acabou por sair triunfante num concelho onde a política sempre teve algo de polémico, mesmo dentro do domínio “laranja”.

As autárquicas não devem servir como tubo de ensaio para a avaliação dos partidos, pois os eleitores tendem a rever-se mais nas figuras dos candidatos do que nas siglas que representam. Não é por acaso que têm surgido movimentos de cidadãos que começam a dar nova vida ao processo democrático.

Verifica-se também que a participação eleitoral é mais elevada nas zonas rurais do que nos centros urbanos. No caso da Madeira, por exemplo, o Funchal registou a taxa de participação mais baixa, enquanto o Porto Moniz teve a mais alta.

A política, para continuar a ser entendida como um ativo da sociedade, precisa de governantes e de oposição. Talvez no dia em que os governantes se empenharem verdadeiramente em resolver os problemas das populações, o debate político perca parte do seu interesse e a oposição a sua vitalidade — e, com isso, desapareça também a graça da disputa democrática.

Infelizmente, a nossa democracia, para ter “piada”, parece precisar desta tensão constante. É aí que, pelo menos, metade do eleitorado se revê, enquanto o resto vira costas, como quem diz: “É mesmo assim, já não há nada a fazer — a democracia é isto.”

Uma palavra final de reconhecimento para o comportamento cívico — e até, de certa forma, respeitoso e prudente — dos cidadãos no cumprimento do ato eleitoral. A isso, deve ser dado um voto de louvor.

A. J. Ferreira