DNOTICIAS.PT
Fact Check Madeira

Miguel Castro poderia invocar imunidade parlamentar por conduzir com excesso de álcool?

None

O deputado Miguel Castro, líder regional do Chega, publicou, na sua página no Facebook um ‘post’ em que, como constou de notícias divulgadas nos dias seguintes que, após uma acção de pré-campanha, foi mandado parar numa operação STOP da PSP em que terá sido submetido ao teste de álcool que terá dado um valor acima do permitido que correspondeu uma multa de 500 euros, paga na hora.

Miguel Castro, que assumiu o erro e que garante que “serviu de lição” e apela a que quem conduzir não beba. Também denunciou ameaças de que terá recebido, em telefonemas anónimos, de que o caso seria enviado à comunicação social.

No entanto, no texto que publicou, diz que não exerceu a sua condição de imunidade parlamentar, porque a lei é igual para todos.

Face a esta afirmação é pertinente saber se os deputados podem, ao abrigo da imunidade parlamentar, não cumprir o disposto na lei para operações stop e contra-ordenações, nomeadamente a de condução com excesso de álcool.

As imunidades parlamentares, de deputados e membros dos governos, estão definidas na Constituição da República (Artigo 157º) e no Estatuto Político-Administrativo da Madeira (Artigo 23º) e têm redacções semelhantes.

No primeiro ponto, fica bem claro que os deputados “não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções”. Uma disposição legal clara que define a margem para o debate e confronto político.

Os pontos seguintes são os que têm relevância para a questão em apreço.

No ponto 2 do artigo- tanto na Constituição da República como no Estatuto – fica claro que ‘os deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso (arguido), quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”.

No ponto 3, “nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia”, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão com limite máximo superior a 3 anos e “em flagrante delito”.

Estas disposições impedem que um deputado – ou membro do Governo – possa ser ouvido como arguido ou detido, sem levantamento prévio da imunidade.

No entanto, o caso que envolve Miguel Castro não parece estar neste grupo, uma vez que a operação STOP, por si só, não é uma detenção. Além disso, o líder do CH não foi mandado parar porque era deputado, mas porque era um condutor igual aos outros. Admite-se que na operação da PSP tenham sido controlados mais automóveis.

A própria taxa de alcoolemia poderia ter influência. Se o valor fosse igual ou superior a 1,20 gramas/litro de sangue, o deputado incorreria em crime, o que implicaria um processo judicial e, para isso, poderia estar em causa o levantamento da imunidade.

A partir de 1,2 g/l, a condenação pode ser de uma pena de prisão até 1 ano ou 120 dias de multa. Mesmo assim, abaixo do limite em que é levantada, automaticamente, a imunidade parlamentar.

No caso de Miguel Castro, o valor de álcool registado deverá estar – apenas com base no que referiu o deputado no seu post - entre 0,8 e 1,19g/l, o que corresponde a uma contraordenação muito grave, com coima entre 500 e 2.500 euros. O condutor pode pagar de imediato, o mínimo (500 euros), como terá sido o caso, prosseguindo, no entanto, a parte acessória que poderá ser um período de inibição de condução.

O levantamento da imunidade só se colocaria se houvesse uma situação de detenção ou julgamento, o que não será o caso.

O deputado do CH, como qualquer condutor é obrigado a fazer o teste de alcoolémia e a recusa implica responsabilidade penal por crime de desobediência. Neste caso, sim, estaria em causa um crime e poderia ser invocada a imunidade que no entanto seria levantada pelo parlamento por se tratar de algo fora do exercício do cargo.

A imunidade parlamentar não ‘cobre’ situações de multas de trânsito, ou outras contraordenações, só estando em causa quando se trata de um processo judicial. Por exemplo, um atropelamento com morte, que corresponde a um criem com moldura penal superior a 3 anos. Nesse caso, quem tem imunidade só poderá ser detido em flagrante delito. Se não for o caso, terá de ser pedido o levantamento da imunidade.

Numa pesquisa rápida de casos semelhantes ao de Miguel Castro, encontramos o da deputada do PS à Assembleia da República, Glória Araújo que, em 2013, foi detida numa operação stop com uma taxa de 2,4 g/l. Neste caso, foi levantada a imunidade parlamentar para prosseguir o processo.

Na Assembleia Legislativa da Madeira há o caso de Luís Calaça, deputado do PSD que também foi detido numa operação STOP e em que o próprio pediu o levantamento da imunidade, além de renunciar ao mandato. Na ALRAM houve outros casos de condução com excesso de álcool e alguns em que os deputados ficaram inibidos de conduzir durante meses. Em todos os que foi necessário ir a julgamento, foi levantada a imunidade.

No parlamento regional, a regra tem sido, desde há muitos anos, levantar a imunidade parlamentar para todos os casos que não digam respeito ao exercício das funções de deputado.

Sendo assim, a afirmação de Miguel Castro de que não invocou a sua condição de deputado é, no mínimo, imprecisa. Não o fez porque não estava em causa uma situação em que tal fosse necessário, uma vez que não terá cometido um crime, porque não se recusou a fazer o teste e não registou uma taxa superior a 1,2 gr/litro.

No entanto, como referiram juristas e ex-deputados ao DIÁRIO, poderia sempre invocar a condição de deputado, mas isso não teria qualquer efeito, uma vez que só teria um tratamento diferente de outro condutor se fosse necessária a detenção e apresentação a um juiz.

Por outro lado, numa análise mais política, invocar a imunidade parlamentar para uma questão de trânsito que nada tem a ver com o exercício do cargo de deputado – alegou que vinha de uma acção de campanha mas o argumento seria muito difícil de sustentar -, iria contra a prática em todos os parlamentos portugueses. O resultado seria o levantamento imediato da imunidade.

"Submeti-me ao teste de alcoolímetro, como qualquer cidadão, não fazendo qualquer uso da minha condição de imunidade parlamentar, as regras devem ser iguais para todos e a imunidade parlamentar é para quem tem medo e medo eu não tenho"