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Análise

Alheios à realidade

O que PS e PSD esquecem é que o povo está-se literalmente nas tintas para os acertos de contas internos de cada partido

É cada vez mais expectável que a Região caia numa situação de ingovernabilidade após as eleições de 26 de Maio. Tal como na República, vai ser dificílimo, para não dizer quase impossível, encontrar uma solução que permita à Madeira ter um governo estável por quatro anos. Os partidos do arco da governação mostram-se imunes à nova realidade, ignorando os factos e actuando exactamente sobre o paradigma de sempre: dar lugar aos seus, aos fiéis escudeiros com provas dadas na máquina interna, mas sem rasgo de novidade ou capazes de fazerem a diferença perante um eleitorado cansado da aritmética que lhes é imposta desde a fundação da democracia, salvo raras excepções.

PSD e PS insistem na mesma receita, ignorando uma desejada abertura à sociedade civil, aos jovens, aos independentes e aos diversos sectores da economia. Olhando para os primeiros candidatos a deputados de cada um dos dois maiores partidos regionais ficamos completamente esclarecidos quanto à ausência de sangue novo, com rasgo, atrevimento e coragem em inovar, renovando-se a gasta lógica de apenas agradar aos seus.

No PSD, Miguel Albuquerque, enfraquecido por um processo judicial em que é acusado de corrupção, não consegue surpreender e fica-se pelo óbvio. A única novidade da lista aprovada, que não o é, Cunha e Silva, tem sabor a passado e é lá colocada para uma hipotética candidatura à presidência da Assembleia Legislativa. O episódio José Luís Nunes já foi esquecido, mas poderá repetir-se.

Que mensagem passa Albuquerque cá para fora? A de um partido quebrado por uma guerrilha interna que tem em Alberto João Jardim, com tribuna fixa na televisão, um dos principais críticos? Onde paira uma ponta que seja de renovação, de vontade de puxar pelos melhores, de mobilizar gente com provas dadas e com imagem sólida na sociedade? O líder social-democrata age como se nada tivesse mudado desde 24 de Janeiro, como se o PSD fosse lutar por uma maioria absoluta inalcançável ou, noutra perspectiva, dando como certo um eventual acordo com o Chega, para se perpetuar no poder. Não terá pejo em se oferecer caso seja necessário, mas André Ventura já lhe fechou a porta. Manterá a palavra?

No PS, Paulo Cafôfo preocupou-se mais em agradar à claque interna, dividida até ao osso, do que ao eleitorado. Puxou a secretária-geral Marta Freitas para a segunda posição, compensando-a pela saída da Assembleia da República, colocou dois presidentes de câmara não-alinhados e uma eurodeputada ainda em funções para o topo da lista.

Não consegue o PS movimentar outras forças, recrutar novas caras com provas dadas? Cafôfo continua a não querer entender o sinal que o eleitorado lhe deu nas legislativas nacionais, sufrágio em que ficou a pouca distância do Chega e em que perdeu imensos votos. Ele próprio mantém um pé na Madeira e outro em Lisboa, para onde seguirá caso perca as eleições de 26 de Maio. O eleitorado observa e não gosta do ziguezaguear oportunista.

Também não se entende a obsessão em premiar autarcas em fim de mandato, lógica que o presidente socialista criticou no passado. Cedeu, agora, à pressão da máquina partidária para não levantar mais ondas.

O que PS e PSD esquecem é que o povo está literalmente nas tintas para os acertos de contas internos de cada partido e é completamente alérgico às tácticas usadas para compensar ‘os amigos’. O que pretendem são propostas capazes e gente apta para as concretizar. É uma pena que, passados 50 anos da Liberdade, o nosso espectro partidário se mantenha fiel a uma contabilidade falaciosa e fraudulenta e não consiga ler os sinais que o povo transmite em cada acto eleitoral.