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Fact Check Madeira

O sargaço que tem dado à costa na Madeira tem valor económico?

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Desde o final do ano passado começaram a dar à costa no nosso arquipélago grandes quantidades de sargaço. Primeiro foi na praia do Porto Santo. Nas últimas semanas tem acontecido em vários pontos da ilha da Madeira. O volume destas algas é de tal ordem de grandeza que já suscitou alertas, com algumas pessoas a confundirem o sargaço flutuante com manchas de poluição. Também geram preocupação por dar mau aspecto às praias. Nalguns pontos já houve necessidade de proceder a operações de limpeza, como aconteceu no Porto Santo, porto do Funchal (cais 8) e Porto Moniz. Mas há quem chame à atenção para o valor potencial desta matéria orgânica, que poderá ser útil nas indústrias alimentar e cosmética, além de ser um fertilizante agrícola. Será mesmo assim?

Conforme foi noticiado pelo DIÁRIO no início desta semana, desde Agosto de 2023 que os técnicos do Museu de História Natural do Funchal têm vindo a registar a presença atípica de grandes quantidades de sargaço pelágico, nas águas do arquipélago da Madeira, tendo também verificado a existência de fauna associada a estas algas de cor acastanhada. As massas que têm dado à costa são compostas pelas duas espécies de sargaço pelágico, Sargassum natans e Sargassum fluitans, sendo a segunda um novo registo para a área geográfica onde se encontra o nosso arquipélago (Atlântico Oriental subtropical).

O aparecimento destas algas, com fauna associada (pequenos caranguejos, camarões ou lesmas do mar), tem suscitado o interesse científico de investigadores do Museu de História Natural do Funchal, Universidade da Madeira, Universidade dos Açores e do projecto MARE-Madeira. Crê-se que a produção de sargaço tem aumentado devido às alterações climáticas, com a subida da temperatura da água do mar e o excesso de nutrientes, incluindo azoto, que favorece o crescimento destas algas.

As abundantes quantidades de sargaço que têm dado à costa também geram preocupação da população e das autoridades, sobretudo em zonas frequentadas por banhistas ou actividades náuticas. É um problema que se coloca igualmente noutros pontos do país, embora com outras espécies de algas. No Verão passado, houve várias notícias sobre uma ‘invasão’ de algas japonesas (‘Rugulopteryx okamurae’) que estava a dar mau aspecto e a afugentar os banhistas das praias algarvias. Algumas autarquias recolheram toneladas destas algas.

No nosso arquipélago, há registo recente de operações de limpeza levadas a cabo pelas autarquias, capitania, APRAM, SANAS e PSP no Porto Santo, Funchal e Porto Moniz. O sargaço recolhido tem sido depositado em aterros próprios para resíduos biodegradáveis, ou seja, sem que lhe tenha sido dada uma utilidade específica.

No entanto, as algas marinhas podem ser valorizadas em várias actividades, por exemplo na produção de cosméticos, indústria alimentar e como fertilizante agrícola.

Num artigo dedicado a esta temática, Leonel Pereira, Professor de Biologia da Universidade de Coimbra, descreve que a nível mundial são utilizadas por diferentes actividades económicas 221 espécies de macroalgas: 125 rodofíceas (algas vermelhas), 64 feofíceas (algas castanhas) e 32 clorofíceas (algas verdes). Destas, são aproveitadas 145 espécies (66%) na alimentação: 79 rodofíceas, 38 feofíceas e 28 clorofíceas. Na indústria de extracção de ficocolóides (transformados em aditivos da indústria alimentar, como espessantes, gelificantes e estabilizantes) são utilizadas 101 espécies: 41 alginófitas (algas que produzem ácido algínico, utilizado como excipiente de cosméticos e medicamentos), 33 agarófitas (algas que produzem agar, usado em estudos de biotecnologia) e 27 carragenófitas (algas que produzem carragenanas, aproveitadas pelas indústrias alimentar, química e farmacêutica). As restantes actividades utilizam: 24 espécies na medicina tradicional; 25 espécies na agricultura, em rações e adubos; e cerca de 12 espécies são cultivadas em aquacultura.

No nosso país, a utilização de sargaço como fertilizante agrícola é antiga, mas não é propriamente aconselhada pela comunidade científica. As algas são ricas nalguns dos nutrientes que favorecem o desenvolvimento das plantas. Mas por outro lado, o processo da sua secagem liberta elementos tóxicos. Por outro lado, há bioensaios de germinação que mostram que algumas plantas têm crescimento anémico quando ‘alimentadas’ com extractos de algas.

Em resumo, o sargaço e outras algas marinhas têm valor económico, mas a sua utilização em determinadas actividades, especialmente na agricultura, pode não ser recomendável, no mínimo carecerá de orientação técnica.

Ao DIÁRIO, Paulo Oliveira, vogal do conselho directivo do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN), admitiu que o aparecimento de sargaço nas águas do nosso arquipélago é um assunto que está a ser estudado pelas entidades competentes da Região, uma vez que se trata de um fenómeno recente mas que, ao que tudo indica, devido às alterações climáticas, poderá tornar-se regular.

É possível “recolher [o sargaço], deixar secar e transformar” – comentário no Facebook