DNOTICIAS.PT
Crónicas

O bom, o mau e os abutres

O vendaval judicial que terraplanou a política madeirense trouxe a reboque um conjunto alargado de analistas e comentadores que, dias a fio, nas televisões nacionais, proferiram rebuscadas sentenças sobre a realidade regional. Do elenco de comentaristas sobre a Madeira, não se encontrou um único madeirense. À exceção de Paulo Cafôfo - enviado à pressa para as televisões nacionais para surfar a onda de suspeita sobre a Região - falou sobre a Madeira quem acha que somos uma aldeola de primos perdida no Atlântico. Haverá maior centralismo do que, sempre que toca à Madeira, se insista em ouvir apenas quem vive dentro da bolha lisboeta?

O bom: As instituições

Esta semana perguntavam-me na rua, em jeito de provocação: “E agora, quem é o bom?”. A resposta é simples. Não há. Não pode haver. A dimensão social e política do abalo sentido na Madeira não admite o capricho de, na hora mais negra, encontrar uma centelha de otimismo. Não é possível, perante a decapitação política a que assistimos, vislumbrar um lado positivo. Agora, como sempre, restam-nos as instituições. São as instituições que ficam depois da espuma dos dias e são elas que resistem quando a febre dos escândalos arrefece. Deveria ser assim o combate político. Duro, leal, pessoalmente implacável se necessário, mas com respeito pelas instituições. Durante a última semana, como se não nos bastasse a corrupção vendida como endémica, ainda conseguimos arrastar as instituições para o charco da mais pequena política. De repente, a suspeita judicial sobre uns virou, por contágio, a insídia política sobre todos. Não faltaram vereadores condenados por proximidade e governantes acusados sem direito a defesa. Infelizmente, o ar irrespirável que tomou conta da política não é produto regional. É o mesmo ar que se respira quando o combate político se faz pelo valor do IMI pago por Pedro Nuno Santos ou pelo número de pisos da casa de Montenegro. Quem faz da política uma corrida ao fundo do poço, esquece-se que os acusadores de hoje serão os acusados de amanhã. Não há instituições que resistam à política feita ao ritmo da suspeição constante. Antes disso, deixará de haver quem queira dedicar-se à causa pública.

O mau: A justiça-espetáculo

A justiça entrou na sala da política, muito antes de ter aterrado na Madeira. A investigação judicial da atividade política é, obviamente, legítima, mas não dispensa reflexão. Até porque, se seria impensável uma intromissão da política na autonomia do poder judicial, por maioria de razão, qualquer interferência da justiça na estabilidade política seria igualmente grave. Na verdade, um político sem fiscalização é tão perigoso como um procurador em roda livre. O desejável combate à corrupção não se pode transformar numa revista ao microscópio de toda a atividade política. Não é razoável que um governante esteja, como esteve Galamba, 4 anos sob escuta. Não é aceitável que um dirigente partidário seja alvo de buscas em casa, como foi Rui Rio, com transmissão em direto na televisão. Não pode ser mais fácil demitir um Governo a partir do DCIAP, do que seria fazê-lo através do parlamento. Isto não significa que a política esteja acima da lei, mas apenas de que a justiça não se pratica num vácuo, nem como um poder acima do poder político. Não se pode fazer justiça como se se fizesse um espetáculo. Foi precisamente a isso que assistimos ao longo da última semana. A montagem de uma operação mediática ainda antes da operação judicial ter tido início. O vexame, digno dos manuais da PIDE, de transportar os detidos da Madeira para Lisboa para inquirição. A sangria seletiva e sórdida dos bens apreendidos nas várias buscas realizadas. A desumanidade de alguém poder estar detido durante oito dias sem saber do que é acusado. Isto pode ser muita coisa, mas não é justiça.

Os abutres: Os partidos e as eleições antecipadas

Tratemos, primeiro, do óbvio: a quem está no poder não convém eleições, a quem está na oposição quanto mais cedo acontecerem, melhor. É essa a natureza do jogo democrático. O problema é quando o pedido de eleições é feito do oportunismo mais baixo e fundado no mero calculismo. A histeria eleitoral, liderada pelo principal partido da oposição, atingiu o seu máximo quando Paulo Cafôfo pediu ao Presidente da República que violasse a Constituição para satisfazer o seu apetite por eleições. O PS exige eleições apenas porque se convenceu que conseguirá um resultado melhor do que teve há 4 meses. Essa vertigem partidária leva os socialistas a confundir a Câmara do Funchal com a Assembleia Legislativa e a fazer de Cafôfo candidato à Assembleia da República e, ao mesmo tempo, ao Governo Regional. A urgência dos socialistas, que curiosamente tem mais eco nos partidos nacionais do que na Região, padece de dois problemas. O primeiro é que parte do pressuposto errado que o poder de dissolução do Presidente da República é um poder livre e discricionário. A dissolução da Assembleia não pode ser vista como se fosse o Natal: quando o PS quiser e como quiser. Se em Março houver um governo a funcionar e um orçamento aprovado, qual a razão para convocar eleições? O segundo problema é sobre a natureza de qualquer eleição na Madeira nos próximos meses. Apressar a ida a votos é transformar o ato eleitoral num julgamento sobre quem é mais ou menos corrupto. Não é essa a função do voto em democracia. Repito o que li pelas redes: calma e prudência, que pior do que está ainda fica.