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A caixa de Pandora e os animais de Orwell

Estranho o que líderes políticos e comentadores, atentas as sondagens, dizem sobre o que pode ocorrer após as próximas eleições

Em 1.º lugar, a opinião aqui formulada tem como pressuposto a análise de circunstâncias e factos, e pode não refletir as opções pessoais específicas sobre certas questões. Noutro âmbito e não menos pertinente, sou um social-democrata convicto, o mesmo é dizer que me integro no centro do espectro político, sendo muito pouco atreito a extremos e a extremistas.

Dito isto, estranho o que líderes políticos e comentadores, atentas as sondagens, dizem sobre o que pode ocorrer após as próximas eleições, face a um cenário de inexistência de maiorias absolutas. E em especial caso a direita obtenha uma maioria de mandatos no parlamento, atenta a tese de que assim se escancarará a porta do poder à extrema-direita.

Mas, recordemos, quem “legitimou” a entrada dos extremos no arco da governação? Utilizando uma imagem usual, quem abriu a Caixa de Pandora? Em 2015, perdidas as eleições para a coligação liderada pelo PSD, António Costa, nesse processo muito acompanhado pelo atual líder do PS, “adulterou” toda a praxis política nacional. Concretize-se! O PS, percebendo que conseguiria uma maioria de mandatos na Assembleia com a extrema-esquerda, não se coibiu de se “associar” a esta e de “abrir um precedente” na lógica operativa do sistema constitucional.

E quem era, por exemplo, o BE? Um partido que defendia exatamente o oposto do que o Chega parece defender, mas igualmente extremista.

De facto, se uns são apelidados de xenófobos porque querem “mão dura” sobre a imigração, os outros querem um corredor aberto a quem quer que seja, com as implicações negativas inerentes e que podem mesmo colocar em causa os pressupostos de Schengen.

Noutro plano, se o BE defende a “ultra-estatização”, como se percebeu com as pressões (e a sua responsabilidade) pelo que ocorreu na Saúde (para colocar os privados fora do sistema); na Educação (para acabar com os contratos de associação) e na Habitação (com o tema dos contratos a “preços controlados”), o Chega é “ultra-liberal” e defende exatamente o inverso.

A outro nível, lembra-se a medida “fraturante” do BE, a querer impingi-la como a grande questão nacional – da “ideologia de género” e das casas de banho neutras nas escolas – em que, de novo, BE e Chega estão nos antípodas um do outro.

Mas, com tudo isto, se nestas questões são, de facto, “o positivo e o negativo” (e vice-versa), no essencial são iguais.

São ambos “ultra-centralistas” (o que, definitivamente, abomino!) e cambiantes de comunistas e fascistas, movimentos estes responsáveis pelas maiores atrocidades a que os povos da Europa e do mundo foram sujeitos. Desdenham ambos da União Europeia e defendem, ambos também, medidas radicais (e absolutamente opostas) para a educação, que pressupõem como para-doutrinação.

Aqui chegados, qual é, então, o obstáculo político-conceptual e legal, a que a direita viesse a governar suportada por todos os partidos da sua área, da moderada à extremista?

Quem fixou a lógica (perversa em meu entender, mas nacionalmente aceite pelas instituições e, ao que se diz, pela maioria do povo), não foi o PS ancorado na extrema-esquerda?

Qual seria a diferença, caso ocorresse, agora, o inverso?

E não foi, aliás, também de António Costa a ideia de que integrando o extremo se o “amansaria” e este se ajustaria melhor ao sistema? Então e essa teoria, vendida à exaustão, não servirá, qual antibiótico de largo espectro, para todos os partidos extremistas?

Ou o problema serão as ideias defendidas por uns e por outros, qual tese Orwelliana de que há uns animais que são mais iguais do que outros?