Crónicas

A cultura do silêncio

Uma das maiores provas de cumplicidade advém do entendimento no silêncio. Eu que adoro música, pessoas, restaurantes e o pulsar da vida tenho cada vez mais respeito pela partilha através do “apenas” estar. Quem consegue passar uma manhã ou uma tarde inteira no mesmo espaço que outra pessoa sem que precise de trocar uma única palavra para se sentir parte do mesmo quadro consegue compreender o quanto isso pode ser importante no relacionamento entre as pessoas. Podemos fazer imensamente parte da vida de alguém, seja que tipo de relação for conseguindo sentir o “estar” sem necessidade permanente de ter que inventar diálogos. Quem se incomoda com isso ou vê nisso falta de empatia é porque não consegue recolher um capital de segurança em si próprio para saber tudo aquilo que esses momentos nos podem transmitir. Às vezes a ler um livro ou um jornal, a trabalhar, a ver um filme ou até a olhar, a admirar sem que isso possa ser um incómodo ou falta de educação.

Na nossa vida há momentos em que é importante falar, exprimir a nossa opinião, dizer de nossa justiça, defender os nossos interesses, os nossos valores ou os nossos direitos, outras há em que o mais importante de tudo é estar calado sem que isso deixe de significar falta de interesse ou de capacidade intelectual para esgrimir o que quer que seja. No meio da minha música, dos sons que fazem parte da minha essência tenho aprendido com essa maravilhosa faculdade que nos ensina muitas vezes a compreender muito melhor o mundo, quem nos rodeia e quem temos à nossa frente. Perceber que na grande maioria das vezes não é quem mais fala que mais se impõe. É aliás precisamente o contrário, quem consegue falar pouco e ter a magia de falar com os olhares, com os gestos e com os movimentos é das nossas formas de expressão mais bonitas e que mais significado têm.

Para além de que o silêncio baralha os outros. Ficam ali a imaginar no que estamos a pensar, no que queremos ou não dizer, o que estamos a sentir. Quantas vezes não nos deparámos com pessoas que só falam, ou só têm determinado tipo de atitudes só para colher uma reação nossa, uma palavra que nos identifique e os acalme? Dentro do que é a nossa construção pessoal, das experiências ou histórias que por um motivo ou por outro nos marcam, o caminho vai-nos ensinando que há por aí gente que não merece a nossa dialética ou uma qualquer justificação ou confronto. E saber sofrer em silêncio é também uma demonstração de nobreza e de estado de espírito. Se uma palavra certa nossa pode mudar o dia de alguém, às vezes sem nos apercebermos, a ausência de resposta também pode ter o condão de representar muito do que estamos a sentir, do que nos define em determinado momento ou situação.

As pessoas gostam muito de tentar encontrar razões para tudo e de não se sentirem confortáveis com o pensamento e com a possibilidade de podermos estar ali sem termos que estar a dizer seja o que for. E há também quem não mereça muitas palavras nossas, só indiferença. Não é por acaso que se diz que se temos duas orelhas e uma só boca é para ouvirmos mais e falarmos menos. A cultura do silêncio é a capacidade de estarmos bem connosco próprios mas é também uma forma bem esclarecedora do que temos par dizer aos outros. Umas vezes nada, outras tudo. Saber estar só assim, a cultivar essa capacidade e de ainda assim nos podermos fazer sentir interessados ou a exprimir o quanto gostamos do outro é das formas mais evoluídas de partilha.