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Crónicas

Saudades do que ainda não vivemos

A vida é feita das expectativas que criamos sobre determinadas pessoas. Sonhamos alto, fazemos planos, imaginamos e projectamos no futuro os nossos desejos e tentamos colá-los à realidade. Sinto isso de uma forma muito próxima, por exemplo quando estou com a minha sobrinha de 3 anos. Quando estou com ela ponho-me a imaginar, do que podemos fazer juntos e do que lhe posso entregar como tio e padrinho, nesta caminhada conjunta. Tento à minha maneira puxar por ela, colocar-lhe alguns desafios e espicaça-la com o intuito de sair um pouco da sua zona de conforto e do protecionismo que todos lhe conferem para a meter à prova em diferentes contextos, destintos da sua lógica habitual e das suas dinâmicas que como qualquer criança da sua idade são muito padronizadas. Espero sempre uma reação, mesmo que à primeira não seja muito positiva e testo a sua capacidade de adaptação. Acredito que desde cedo devemos ser colocados em circunstâncias que preparem a nossa inteligência emocional e a nossa maneira de estar perante os outros e o mundo.

O nosso registo é feito de pequenos momentos que se ligam às nossas emoções e que acabam por refletir a nossa forma de ser. Nesses momentos maravilhosos que passamos juntos e noutros que mesmo não estando juntos penso nela, acabo por sentir saudades do que ainda não vivemos. Uma estranha forma de sentir mas que é intrínseca à condição humana. Parece que de uma forma mais ou menos ansiosa queremos tudo muito rápido e estamos sempre à procura do que vem a seguir, igual ao desfolhar da próxima página de um bom livro. Idealizamos viagens, cumplicidades e tudo o que nos vem à cabeça. É no fundo uma forma de amar transversal à amizade, às relações familiares ou às amorosas. É disso também que vivem as paixões que nos fazem desarrumar o mundo e a própria vida para nos dedicarmos a alguém e para fazermos tudo e de tudo para sermos felizes e fazermos felizes quem nos rodeia sem receios de corrermos aquele quilometro extra para que tudo seja um verdadeiro sucesso.

No meio dessa viagem à desilusões, à tristeza e dor mas também há concretização, sorrisos e a magia de continuarmos a sonhar e de permanecer em nós esse instinto de criança de nunca desistirmos do que projectamos. Acho que tem pouco a ver com a idade e mais com a forma como construímos as nossas emoções e a capacidade de lidarmos com elas. A leveza de sentirmos saudades do que ainda está para vir é por isso uma forma de acreditarmos que amanhã vai ser bom e de desenharmos metas e objetivos. Por muito que o nosso caminho obedeça pouco a estratégias definidas, é fundamental que nunca percamos esta confiança de que podemos acrescentar, seja a um projecto, a uma pessoa, ou a uma ideia. Aquilo que aportamos aos outros é também a história que deixamos neles sobre nós e que perdura no tempo. Mesmo que não devamos viver em função disso, é nossa obrigação desenvolver mecanismos orgânicos que nos tornem melhores e que derramem alegria e emoção nas pessoas de quem gostamos. Porque essa é também uma finalidade, que nos possam ver como uma coisa boa dentro das suas, uma peça bonita.

Gosto por isso particularmente de ter saudades do que ainda não vivi. A saudade é o amor que fica e pode ser também a construção do amor que ainda pode vir. Nas pequenas partículas de tempo em que nos movimentamos.