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Porto de pesca será no pico do Areeiro

O desespero dos homens da música é tal, que o local é óptimo. Até para quem nos governa, pois o som do piano é sempre mais agradável que o apito de um navio

A anunciada construção da Casa da Orquestra/Cultura num terreno adjacente ao Porto do Funchal constitui uma prova que quem governa tem vistas curtas e que não existe um pensamento estratégico na gestão da coisa pública. É que o título deste artigo até pode vir a ser realidade um dia, a julgar por esta e outras decisões.

Constrange-me que o cidadão seja chamado a participar apenas de quatro em quatro anos, para fazer o esforço de desenhar uma cruzinha, coarctando outra participação cívica na gestão daquilo que afinal é de todos nós.

Quem estudou e escreveu sobre a evolução do Porto do Funchal ao longo de dois séculos pode descrever um puzzle em desenvolvimento. Primeiro a estrada de acesso, depois a construção de um pequeno cais até o forte de São José (1756/1762). Mais tarde o prolongamento até o Forte de Nossa Senhora da Conceição (1890).

Mas o turismo e o comércio numa rota atlântica que favorece a Madeira obrigaram o porto a crescer; deu-se o prolongamento da Pontinha em duas fases (1939 e 1961), construiu-se um terminal Norte (1982), a construção de uma marina (1984) e mais recentemente o famigerado Cais 8 e nova marina (2015). Pelo meio construiu-se o Cais Regional (1955), que apoiava a cabotagem entre ilhas e que agora é porto/entreposto de pesca.

Depois vieram as ‘obras inventadas’. Um hotel e estacionamento em zona nobre, portuária, a correcção da ribeira com implicações na marina, etc.

Estudos e projetos não faltam nesta ilha. E o Plano Integrado de Transportes da Madeira até é capaz de deixar alguns alertas sobre os novos desafios que esperam o Porto do Funchal, 261 anos depois daquelas primitivas escadas e depósitos de carvão.

Pensar que os transportes marítimos e o turismo de cruzeiro não vão colocar novos desafios ao Porto do Funchal é não enxergar nada para além da... Pontinha. As mais recentes directivas comunitárias, que compromete já em 2030 o transporte não poluente, com recurso a combustíveis mais limpos, vão alterar radicalmente os nossos portos.

Segundo sabemos, a Administração de Portos da Madeira trabalha, e bem, num projecto que permitirá fornecer energia eléctrica aos paquetes acostados na Pontinha. O que vai permitir ‘desligar as máquinas’ destes gigantes e reduzir a poluição na cidade do Funchal. O que implica a construção de uma subestação.

Os desafios futuros levam todos os ‘players’ a estudar o uso de combustíveis sintéticos verdes e/ou e-combustíveis. O hidrogénio não está descartado, ao contrário do gás que parece não ser alternativa.

Quer isso dizer que novas estruturas podem ser necessárias edificar na área portuária, que no caso do Funchal tem estacionamentos, hotel, bares de poncha e agora a anunciada casa da cultura e de concertos.

Não perceber que o aumento da Pontinha determinará, por sua vez, uma maior pressão sobre a infra-estrutura, viária e logística, é pensar que com música vamos ter um porto no Atlântico capaz e competitivo.

Não aproveitar, em 2025, o fim da concessão dos tanques de combustível para estruturar a entrada do porto e a operação logística de passageiros e carga rodada inter-ilhas de um outro modo, é pensar que isto com música vai lá.

Não tenho dúvidas que a nossa formidável Orquestra da Madeira merece a sua casa. Pela excelência do seu trabalho, como e principalmente pela procura, por turistas e residentes, dos seus espectáculos.

Não se pode é promover uma nova centralidade perto da entrada de um porto que um dia poderá ter mais e novas ligações marítimas e outros serviços associados, pelo que uma acessibilidade cultural é tudo o que não é desejável para aquele terreno perto do mar.

Mas o desespero dos homens da música é tal, que o local é óptimo. Até para quem nos governa, pois o som do piano é sempre mais agradável que o apito de um navio.

Vamos, então, construir um porto de pesca no… pico do Areeiro.

Argumentos errados para obra necessária

A ampliação da Pontinha é outro dos temas tratados pela rama. O governo quer ampliar. Os que são contra tudo o que envolva pedra, areia, betão ou alcatrão andam aos gritos contra a necessidade de ‘inventar’ mais uma obra.

Vamos aos argumentos; ampliar pois os navios de cruzeiro vão ser maiores e a Madeira não pode perder escalas e competitividade para a vizinha Canárias - razão da construção do Porto do Funchal pois os nossos vizinhos eram a porta de entrada do Mediterrâneo a caminho das américas – não me parece bom argumento, só por si.

Esse argumento não justifica o investimento. Porque só em 9 % dos dias do ano é que existem conflitos na gestão do espaço no actual porto, a chamada ‘casa cheia’. E não é certo que o negócio dos cruzeiros passe pela construção de grandes navios e a sua colocação em percursos no Atlântico a ligar pequenas ilhas.

E que tal fundamentar o dinheiro que precisamos da Europa nas alterações climáticas, na subida do nível médio do mar, no aumento dos eventos climáticos extremos e no inevitável alagamento das zonas ribeirinhas do Funchal? Tal como já foi estudado pelo Observatório Oceânico da Madeira.

É que na próxima década o nível médio da mar vai subir quase meio metro, o que de acordo com um estudo desenvolvido pelo investigador Gustavo da Silva terá impatos na cidade, com o alagamento de várias zonas, ameaçando estruturas como e sobretudo aquíferos de água doce tão necessárias à vida humana.

Já nos esquecemos que antes da existência da Pontinha o mar – com calhau e tudo – chegava ao adro da Igreja da Sé.

Que tal fundamentar os milhões da obra de ampliação da Pontinha com uma aposta clara na economia azul, no famoso cluster do mar que pode se desenvolver a partir de uma zona segura e de abrigo que não se encontra no litoral da ilha.

Construir mais 400 metros na Pontinha é defender a cidade do Funchal, garantir três postos de amarração para grandes navios, um quarto no Cais 8, a exploração do cais de São Lázaro e a segurança nas marinas. Mas é, sobretudo, precaver-nos das alterações climáticas que ditarão a subida do nível do mar e uma inevitável erosão da costa. Aí o betão vai ajudar.

Simmmmmmmmmmmm à ampliação da Pontinha!

Afinal o que querem das nossas marinas?

De obras marítimas estamos falados. A conversa vai parar ao Lugar de Baixo ou ao Cais 8. Por isso há argumentos válidos para todos os gostos. Até porque a última obra veio gerar o caos na Marina do Funchal, atormentada pelo turbilhão da ribeira de São João e pela agitação gerada pelo ‘reflector’ do Cais 8.

Com tantos estudos, projectos e obras ficamos com duas marinas inseguras, perigosas, mesmo, que expostas a uma agitação anormal destroem a sua própria infra-estrutura (pontões e fingers) e as embarcações ‘agarradas’.

Novo projecto; a implantação de um quebra-mar, em enrocamento, para atenuar a corrente gerada pelo reflector do cais 8 e com isso garantir o abrigo no interior da marina.

Não conheço os estudos que sustentam esta opção. Mas parece-me que vamos reflectir mais ondulação para a zona do cais da Pontinha e que a ribeira vai desaguar uma corrente de água para dentro da marina.

Há um outro projecto, adiado; com a ampliação da Pontinha será possível alterar a ‘boca’ da velha marina para leste, junto ao Cais da Cidade, fechando a actual entrada.

Se os estudos são os mesmos do Cais 8, estamos tramados!