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Prudência pedida por Borrell contrasta com contundência de von der Leyen

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O ataque do Hamas a Israel expôs diferenças nas reações dos quatro principais representantes da União Europeia (UE), em particular sobre a exigência de que, na resposta militar israelita em Gaza, seja salvaguarda a integridade de civis palestinianos.

Na terça-feira o alto-representante da UE para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, considerou que Israel tem todo o direito de defender o seu território de ataques como aquele que o movimento islamista Hamas fez no último fim de semana e que até hoje já causou mais de mil mortos, mas pediu prudência e lembrou que Telavive tem de respeitar as convenções internacionais, aludindo ao bombardeamento indiscriminado de partes do enclave palestiniano de Gaza, que provocaram um número semelhante de mortes do lado palestiniano, a maioria civis.

O cerco total a Gaza, assim como a privação de água, eletricidade e comida são barreiras que Israel não pode transpor, na ótica de Josep Borrell: "Algumas decisões [de Telavive] são contrárias às leis internacionais".

Mas esta posição não é uniforme entre as principais figuras da UE, como as declarações de apoio inequívoco à Ucrânia, "enquanto houver necessidade disso", apregoadas desde 24 de fevereiro de 2022. Desde o primeiro momento, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem optado por uma posição contundente, sem fazer referência à necessidade de salvaguarda da população palestiniana presa em Gaza.

"Israel tem o direito à autodefesa. A UE está de luto por causa das vítimas deste ataque sem sentido e está ao lado de Israel hoje e nas próximas semanas", escreveu von der Leyen na rede social X (antigo Twitter) no último domingo.

Houve mais cinco reações da presidente da Comissão desde então. Em todas as publicações, Ursula von der Leyen disse que os 27 estão "ao lado de Israel" e que os israelitas têm o "direito à autodefesa".

Na última, durante o dia de hoje, subiu o tom: "Não pode haver justificação para o ato de terror do Hamas" e "o ataque terrorista perpetrado pelo Hamas é um ato de guerra".

As palavras de von der Leyen em específico não caíram bem a toda a gente. No domingo, a eurodeputada irlandesa Clare Daly, da Esquerda, criticou a presidente da Comissão na rede social X.

"Quem é que pensa que é? [Ursula von der Leyen] não foi eleita, não tem autoridade para determinar a política externa da UE, que é estabelecida pelo Conselho. A Europa não 'está com Israel'. Nós queremos a paz. [von der Leyen] não fala por nós. Se não tem nada construtivo para dizer, e claramente não tem, fique calada", comentou.

Já o jornalista Arthur Neslen, que fez a cobertura do conflito israelo-palestiniano e outros no Médio Oriente para o The Guardian, The Economist e Al Jazeera, escreveu num artigo de opinião no EUobserver, intitulado "Como ignorar o apartheid israelita: aprendam com Ursula von der Leyen", que as palavras de von ver Leyen podem "voltar para a assombrar".

"O ataque hediondo do Hamas não devia distrair as pessoas da natureza assimétrica de um conflito que provocou a morte a 6.407 palestinianos entre 2008 e 2021, em comparação com 308 israelitas [...]. Neste contexto, a pressa de von der Leyen para enviar a Telavive um cheque em branco pode voltar para a assombrar a ela, e a nós", opinou.

E acrescentou: "Desta vez, no barril de pólvora do Médio Oriente -- e sem qualquer pressão compensatória por parte da EU ou de qualquer outro lugar -- Israel poderá sentir-me encorajado a ir mais longe."

Por seu lado, Josep Borrell recordou que a população palestiniana também está a sofrer com o bloqueio a Gaza, uma tentativa de circunscrever diplomaticamente o conflito ao movimento islamista Hamas e ao exército israelita.

De von der Leyen não houve ainda uma palavra sobre a população palestiniana, ainda mais depois de um dos seus comissários anunciar, na segunda-feira, a suspensão dos programas de apoio, e acabar por ser desautorizado por outro.

A situação provocou mal-estar entre os Estados-membros que, na generalidade, estão contra quaisquer cortes no apoio. Portugal, por exemplo, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, questiona as bases legais para a decisão do comissário para a Política de Vizinhança.

Von der Leyen ainda não comentou estas contradições dentro da sua equipa, apesar de inúmeras questões colocadas desde segunda-feira pelos jornalistas à Comissão, e hoje limitou-se a dizer que a assistência financeira vai ser "cuidadosamente revista".

Já a posição do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, foi mais em linha com a de Josep Borrell. Logo no primeiro dia, Michel condenou "veementemente o ataque de terror contra Israel" durante uma conversa com o Presidente israelita, Isaac Herzog, mas também falou com o primeiro-ministro palestiniano sobre a necessidade de "proteção das vidas civis".

Sobre a revisão da assistência financeira, o presidente do Conselho alinhou com o sentimento prevalente entre os Estados-membros: "Não devemos cortar a tão necessária ajuda humanitária e para o desenvolvimento dos civis palestinianos. Isto pode ser explorado pelo Hamas para exacerbar tensões e o ódio".

A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, também deixou de fora a necessidade de respeitar a legislação internacional e de proteger a população palestiniana durante a retaliação israelita.

À semelhança de Ursula von der Leyen, todas as declarações públicas da presidente do Parlamento Europeu incluíram apenas "solidariedade com Israel" e a condenação dos "terríveis atos de terrorismo", assim como o pedido de libertação imediata dos reféns sequestrados pelo movimento islamista Hamas.

Numa cerimónia solene hoje em Bruxelas para recordar as vítimas dos atentados do último fim de semana em Israel às mãos do Hamas, Metsola disse que morreram cidadãos israelitas "só porque são judeus", que os milicianos do Hamas assassinaram "mais de mil bebés, mulheres e homens", e que os socorristas "arrancaram sobreviventes do Holocausto das suas casas e exibiram-nos como troféus pelas ruas".

No entanto, de von der Leyen e de Roberta Metsola não houve declarações sobre os bombardeamentos que algumas organizações humanitárias descreveram como indiscriminados a Gaza.