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Um dia de cada vez

Chegamos a 2023. Durante algum tempo, vivemos numa espécie de limbo, empurrando os problemas com poncha e uma sandes de carne de vinho e alhos. De repente, a vida tornou-se mais luminosa e cheia de esperança. Mas, para algumas famílias, foi difícil ter comida na mesa e pagar as contas. Foi duro lidar com perdas de familiares, em vida e em morte. Para quem já passou por isto, a magia da época acaba por se desvanecer aos poucos, como as estrelinhas que acendemos no dia 31.

É tradição iniciar-se um ano novo com promessas. De que vamos concretizar sonhos, ser melhores nisto ou naquilo, atingir metas, e ser “pessoas de sucesso”, seja lá o que isso significar. O que se esquece é de prometer a nós mesmos/as as mudanças de dentro para fora. Claro que assumir essa responsabilidade é um trabalho árduo. É mais fácil colocar a culpa “nos outros” ou, como já vi inúmeras vezes em organizações, “nas circunstâncias”.

Procuramos a perfeição inatingível e, no processo, acabamos discriminando outras pessoas, apontando-lhes o dedo por não se encaixarem em padrões sufocantes. Sejam mulheres ou homens, crianças ou adultas/os. Descobrir a beleza da nossa perfeita imperfeição é encontrar a paz e perceber que somos seres únicos e estamos interligados. Implica, claro, respeitar as outras pessoas e suas escolhas. Seja lá o que for que aconteça em 2023.

Podemos fazer mil previsões, económicas, científicas, astrológicas ou numerológicas, mas nunca saberemos. Cada ano é uma caixinha de surpresas, e está recheado por acontecimentos, bons e maus, dependendo do significado que lhes damos. Este ano, a crise parece estar para durar, com a subida da inflação, dos juros e do custo de vida, e sem os aumentos salariais necessários para compensar a pressão sobre as famílias. As alterações climáticas são reais, e tendem a prosseguir o seu caminho, façamos ou não mais cimeiras com não sei quantas metas. Assiste-se a guerras e a retrocessos e violações nos direitos humanos, camufladas por espetáculos grandiosos e pelo poder do dinheiro. E a ameaça do retorno da pandemia paira no ar. Será que mudamos de paradigma?

Ainda assim, muitas vezes, focamo-nos apenas nestes acontecimentos, agarrados aos “retângulos” e à TV, ampliando o medo no inconsciente coletivo. Quando existe tanto amor e beleza, também, dentro de nós e à nossa volta. Tanto que podemos criar, com as ferramentas que temos ao nosso alcance, abandonando a competição e a mania de ver ameaças ao brilho pessoal em todo o lado. Foquemo-nos na construção duma nova realidade, individualmente e em coletivo.

Renovemos a vontade de continuar a viver e a evoluir, neste pálido ponto azul, algures no sistema solar. Mantenhamos a esperança viva ao longo de todo o ano, começando por escutar mais e julgar menos quem nos rodeia e trabalhar a empatia. Porque a vida não é apenas cor-de-rosa, é feita de todas as cores do arco-íris, incluindo o branco e o preto, e vai variando. Porque cada pessoa tem a sua história e os seus próprios desafios. Porque é possível discordar sem ofender. Porque está tudo bem que haja dias em que não estamos bem. Que saibamos pedir ajuda e/ou respostas quando necessário. E façamos a nossa jornada valer a pena, um dia de cada vez.