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Governo nega intenção de politizar a justiça com proposta sobre tutela da Europol e Interpol

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O Governo negou hoje no parlamento qualquer intenção de "politizar o sistema de justiça" ou de violar o princípio da separação de poderes com a proposta do Ponto Único de Contacto para os gabinetes da Europol e Interpol.

A garantia foi repetida diversas vezes pela ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, num debate parlamentar sobre a proposta de lei do Governo que uniu todos os partidos da oposição na crítica a uma alegada tentativa de controlo político da investigação criminal e ataque ao Estado de direito.

Os partidos consideram ser esta uma alteração sem justificação da tutela destes gabinetes de cooperação policial internacional.

Em causa está o diploma que pretende passar para o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SGSSI), que se encontra na dependência direta do primeiro-ministro -- sendo por ele nomeado -- a coordenação dos gabinetes em Portugal da Europol e Interpol, até agora sob a alçada da Polícia Judiciária (PJ), que goza de autonomia na investigação criminal.

"Que fique claro que esta alteração não retira qualquer competência a uma polícia. Repito: não retira qualquer competência a uma polícia. [...] Com estas propostas legislativas não só ficará consagrada legalmente a chefia da PJ da Unidade Nacional Europol e Gabinete Nacional Interpol, mas também que o fará no quadro do ponto único de contacto, evitando dispersões, duplicações e ineficiências no funcionamento da cooperação internacional", disse a ministra na sua intervenção inicial.

Ana Catarina Mendes sublinhou ainda que a alteração da lei pretende dar resposta a preocupações da Comissão Europeia, afirmando que "é dever de um Estado-membro cumprir as recomendações que decorram das avaliações Schengen".

Todos os partidos da oposição se opuseram à proposta do Governo, tendo já o Livre e o Bloco de Esquerda anunciado antecipadamente o seu voto contra, manifestando, tal como outros partidos, dúvidas constitucionais e o desejo de que a lei seja enviada pelo Presidente da República para fiscalização pelo Tribunal Constitucional.

Alguns partidos alertaram para o facto de alguém nomeado diretamente pelo primeiro-ministro e que a ele reporta, como o SGSSI, passar a ter acesso a informação criminal que pode envolver titulares de cargos políticos.

A este propósito André Ventura, do Chega, lembrou que o atual SGSSI é um embaixador de carreira "nomeado por sucessivos Governos e que toda a vida foi nomeado politicamente".

Para Paula Cardoso, do PSD, esta proposta retoma "uma antiga obsessão do PS" de controlar a justiça, comprometendo "inequivocamente a independência da investigação criminal" através de um modelo administrativo.

"O Governo revela o seu propósito ao jeito de Luis XIV -- 'LÉtat c'est moi, ou seja, o Estado sou eu", acusou a deputada, dizendo que com esta proposta o SGSSI é elevado a superpolícia, cabendo-lhe até dar pareceres sobre a nomeação dos diretores de outros órgãos de polícia criminal, incluindo a PJ.

Este foi um dos pontos mais criticados pela oposição durante o debate parlamentar de hoje, que também contestou a ausência da ministra da Justiça na discussão desta proposta, tendo Ana Catarina Mendes justificado ter sido ela a estar presente por se tratar de uma matéria na dependência do primeiro-ministro e da sua própria pasta, os Assuntos Parlamentares.

Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, disse ainda sobre a oportunidade desta proposta de lei que "a maioria absoluta fará o seu caminho", mas lembrou que "a história recente de um primeiro-ministro apanhado nas teias da corrupção" deveria levar o PS a ter "mais cautelas", citando ainda a célebre frase sobre a mulher de César, a quem não basta ser, precisa também de parecer séria.

Para Inês Sousa Real, do PAN, esta proposta "é mais um golpe na PJ" e que "trilha caminhos perigosos de politização", questionando ainda se "houve alguma falha que justificasse" a alteração da lei.

André Ventura, do Chega, enfatizou que quem nomeia o SGSSI é o Governo, criticou o facto de o diploma ter sido apresentado a 12 de agosto, quando o parlamento estava de férias, e disse esperar que este diploma "nunca veja a luz do dia".

Defendeu ainda que o Presidente da República "tem o dever" de levar o diploma ao Tribunal Constitucional, por representar "uma violação grosseira do princípio da separação de poderes".