Crónicas

Porque a melodia é felicidade e a letra tristeza

O poder da música e os efeitos que ela tem em nós acompanha-nos em cada momento das nossas vidas. Vai-se alterando e moldando conforme o nosso estado de espírito, as nossas emoções. Dizem que é quando estamos tristes que somos mais profundos, que ficamos mais pensativos e nos questionamos mais. A nós, ao mundo e a tudo o que nos rodeia. É por isso que é do senso comum que quando estamos felizes escutamos muito mais a melodia das canções, os sons e as batidas, estamos mais preocupados em colecionar momentos sem pensar muito nas palavras que são cantadas, queremos dançar, saltar, sorrir e viver. Assim é também quando estamos mais românticos, apaixonados ou motivados em atingir algo que nos faz subir as pulsações e vibrar cá dentro. Quando estamos mais infelizes, quando as coisas nos correm menos bem, quando falhamos ou erramos com algo ou alguém e temos saudades, parece que as letras das músicas sobressaem acima de tudo e vamos sempre bater naquelas que nos fazem pensar ainda mais, nos momentos que estamos a viver. Parece que foram escritas por nós ou para nós.

Penso que todos nós sentimos o mesmo. Terá a ver provavelmente com a forma como nos comportamos perante as emoções. A felicidade é mais efémera, é do domínio do instante, pensamos menos e deixamo-nos ir pelo que nos invade. As tais borboletas no estômago que nos fazem levitar. Não quer dizer que seja frugal ou tão pouco lisonjeira, é igualmente intensa mas é sem dúvida mais fácil de digerir e melhor de sentir. Isso faz-nos habitualmente esquecer alguns pormenores, problemas circunstanciais, vemos mais o copo meio cheio e tendemos a desculpar com mais facilidade. Por isso a melodia serve-nos de acompanhamento perante o nosso estado, porque ser feliz é viver numa dança permanente onde todos os sons fazem sentido e o importante é desfrutar, isso leva-nos a querer partilhar mais, a estarmos mais com os outros, mais predispostos ao que nos aproxima da alegria permanente. Por isso damos especial relevo às batidas, à tal melodia das músicas porque o nosso pensamento está no que nos faz feliz e pouco nos importa se uma letra diz isto ou aquilo. Dançamos e pronto.

Quando estamos tristes ou sofremos alguma desilusão impactante tudo é diferente. Talvez por isso se diga recorrentemente que os grandes escritores eram quase todos taciturnos, infelizes ou negativos. Porque quando estamos tristes somos mais profundos, procuramos entender as razões, damos mais importância ao significado das palavras e puxamo-las para nós. Servimo-nos delas para nos justificarmos ou para encontrarmos explicações, usamo-las para dar algum sentido à vida, muitas vezes como grito de revolta, outras como pedido de ajuda e em alguns casos como um aviso à navegação que nos acompanha de que algo não está bem. É por isso que elas se tornam o centro das nossas atenções nas músicas que ouvimos. Se repararem, quando estamos mais em baixo atentamos muito mais no que dizem essas mesmas letras, no que elas querem dizer e nas semelhanças com o que estamos a passar.

Na realidade, no percurso da nossa vida todos nós temos as nossas próprias experiências, cada um com as suas razões, os seus motivos, as suas motivações. Mas se há algo que nos iguala a todos, ricos ou pobres, de qualquer raça, género ou sexo, é que todos nós passamos pela felicidade e pela tristeza em algum momento. Eu próprio sinto isso em mim. Quando estou triste, refugiu-me nas palavras, escrevo, rasgo, começo, volto ao início, mas sai-me tudo naturalmente mais profundo, talvez porque me abstraia daquilo em que não quero pensar ou tão só porque naquele momento também não tenha muito mais para além do que possa escrever. Também porque as palavras me ajudam a cuspir cá para fora coisas que me ficam entaladas e que por vezes acalmam o sofrimento ou as saudades. Umas vezes vão até em forma de mensagem para que talvez por magia alguém nos leia e nos perceba. Escrever acalma a alma e de alguma forma ajuda-nos a resolvermos coisas que temos cá dentro.

Por isso é que quando estamos felizes ouvimos a música sem lhe dar um sentido e quando estamos tristes recebemos as letras como forma de sinal ou de mensagem. Muitas vezes de interpretação das nossas próprias dúvidas. Se alguém partilha uma música quando estamos felizes apetece-nos dançar, quando estamos tristes tentamos ler a letra e perceber se nos estão a tentar dizer alguma coisa. É um fenómeno interessante. Depois existem ainda alguns estafermos que se cruzam connosco e que nos tentam cantar canções de embalar, muitas vezes com frases feitas, canções cantadas e beijos beijados. Mas essa é outra história…

A música atinge-nos o coração a todos e faz parte de nós, como diria o senhor padre, na alegria e na tristeza. Todos nós “casamos com ela” embora com a melodia nos elevemos e com a letra nos aprofundemos. Ambas são importantes mas a atenção que dispensamos a cada uma é sintomática do momento que estamos a passar...