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A permanência de tudo ou a próxima aventura

Sonhar é voltar a acreditar, pensar de novo, ter ideias, ser criativo, restaurar. Ter tempo para observar

O sentido da vida e o enigma da morte acompanham-nos da infância até ao último suspiro. O primeiro confronto consciente é tão angustiante para a criança como para o adulto que, sem resposta objetiva, tenta serenar as dúvidas e inquietações de ambos. A religião, a ciência, as crenças espirituais e a racionalidade mais pura, abordam o tema apenas numa dimensão, acabando por criar respostas redutoras entre a lógica racional e a pura demagogia. Na base está a procura da eternidade, o medo de que tudo tenha um fim, o impacto da não resposta. De certa forma, no que ao entendimento da morte diz respeito, permanecemos infantis e primitivos. Por vezes assustados, outras vezes em negação, tentamos sobreviver à angústia do confronto através do que de facto sabemos que existe: a nossa vida. Para alguns, a maturidade, o conhecimento alargado, a serenidade são o sentido primeiro da continuidade, o seu legado. Outros, constroem-se em família, sentindo a continuidade nas histórias que trespassam através das gerações. Há ainda quem simplesmente queira viver cada dia com o sabor e prazer de viver, aproveitando o privilégio da existência. Mas há outras formas para o sentido de permanência. A pressa de possuir vida, através de coisas, do poder, ou do poder das coisas; a inveja do legado interrompido, “o que não é para mim não será para ninguém”; e tantos outros sentimentos, focados na omnipotência do tudo ou nada que mais não revelam do que o terrível medo do fim. Por aqui, antes de começar seja o que for, já se perdeu o essencial: a capacidade de sonhar e a interrupção dos sonhos de outros. Sonhar não é destruir, esmagar, olhar de cima, invejar, humilhar, querer ser especial e único através do poder, do controle ou do medo. Sonhar é voltar a acreditar, pensar de novo, ter ideias, ser criativo, restaurar. Ter tempo para observar. Não ter medo de mexer, revisitar, contestar. Poder ser medíocre e excelente sem perder a vontade de continuar. Ouvir a música, as palavras, olhar o céu, as nuvens, o mar. Tocar na terra, correr, brincar. Esta ligação de autenticidade ajuda-nos a descentrar do tempo entre o princípio e o fim e a colocar sentido na continuidade. A permanência de tudo, que decidimos com prazer apreciar, é nosso para sempre. Signifique sempre o que significar. O mar que vemos e que a Sophia de Mello Breyner tão bem exprime neste seu poema, mostra-nos como tudo permanece eterno aqui e talvez lá, na próxima aventura.Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim. A tua beleza aumenta quando estamos sós. E tão fundo intimamente a tua voz. Segue o mais secreto bailar do meu sonho. Que momentos há em que eu suponho. Seres um milagre criado só para mim.