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Santos Silva pede parecer à 1.ª Comissão sobre resolução do Chega para o censurar

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O presidente da Assembleia da República vai pedir à Comissão de Assuntos Constitucionais um parecer sobre um projeto de resolução do Chega que visa condenar o seu comportamento, apontando ter "dúvidas muito fundas e muito complexas".

Num despacho de cinco páginas, datado de hoje, o presidente do parlamento indica que pediu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que "emita parecer sobre a conformidade constitucional e regimental" do projeto de resolução do Chega, "nomeadamente para efeito da sua admissibilidade".

E justifica esta decisão "pelas dúvidas suscitadas pelos serviços da Assembleia mas também em razão das dúvidas muito fundas e muito complexas" suscitadas "no plano ético-político, não por este projeto de resolução em concreto, mas pelo precedente que ele pode criar".

Augusto Santos Silva aponta que a nota elaborada pelos serviços do parlamento refere "não ser adequada a forma do projeto em relação ao seu teor, porquanto a forma de resolução se encontra sujeita, nos termos constitucionais, a um princípio da competência (da Assembleia da República), o que não parece ocorrer nesta situação".

No parecer são também identificadas "as várias possibilidades que o Regimento da Assembleia da República prevê para sindicar as decisões do presidente".

No despacho, divulgado aos jornalistas pelo Chega, a segunda figura do Estado defende que "a regra número um do funcionamento da Assembleia é a total liberdade de expressão" e que "nos termos regimentais, só a degradação gerada pela injúria ou a ofensa pode justificar a intervenção do presidente junto de quem esteja no uso da palavra".

Contudo, salienta que nenhuma decisão do presidente do parlamento "com efeitos na organização e dinâmica dos trabalhos parlamentares não é sindicável e irrecorrível; pelo contrário, de todas cabe recurso para o plenário, soberano na decisão".

"É tendo em atenção este quadro regimental que se deve ponderar seriamente a legitimidade e as consequências de aceitar doravante que se discuta e vote projetos de resolução visando institucionalizar uma qualquer 'censura' a um qualquer 'comportamento'", alerta, questionado se "devemos mesmo trilhar esse caminho".

"É mesmo este o parlamento que queremos -- que, para além das críticas, dos protestos e contraprotestos, dos pedidos de esclarecimento e das respostas, das defesas da honra e das satisfações, isto é, da normal dialética parlamentar democrática, passamos a admitir exercícios de apreciação e condenação cuja terminologia evoca práticas históricas ou coevas próprias de ditaduras, contras as quais as democracias liberais sempre se levantaram?", salienta, questionando também se a Assembleia da República deve abrir a porta à instituição de "uma forma suplementar de 'condenação', de duvidosa conformidade constitucional e regimental".

Da ordem de trabalhos da reunião da primeira comissão, na quarta-feira, consta já a designação de relator para a elaboração do parecer sobre a "adequação constitucional e regimental" do projeto de resolução do Chega.

Apesar de ainda não ter sido tomada uma decisão, o Chega considera que o pedido de parecer sobre a admissão do projeto de resolução constitui um "novo veto" e indica que este é "mais um tema a acrescentar à lista que o líder do partido levará à audiência" que pediu ao Presidente da República e que está agendada para sexta-feira ao início da tarde.

No domingo, o Chega anunciou a entrega no parlamento de um projeto de resolução em que se pretende condenar o comportamento do presidente da Assembleia da República, por ausência de imparcialidade e de isenção no exercício do seu cargo.

Dias depois, na quinta-feira, último plenário antes da pausa nos trabalhos para férias, os deputados abandonaram o hemiciclo em protesto contra a condução dos trabalhos por Augusto Santos Silva, depois de este ter comentado uma intervenção do líder do partido sobre estrangeiros em Portugal.

Em declarações aos jornalistas pouco depois, André Ventura admitiu que abandonar o plenário em protesto contra o presidente do parlamento foi decidido "de forma pensada".