Análise

Estados de alma falam mais alto

Mais do que diagnosticar e assobiar para o lado, Quem foi eleito deve agir

O Estado da Região não é o que por aí se diz, tanto na arena parlamentar, como no palco festivo. Basta ler as notícias que contam os dramas sociais quase eternos, as que geram incómodo nas agendas estivais e as que evidenciam as agruras do futuro para percebermos, de novo, um estranho desfasamento existencial entre a leitura política regionalizada, por vezes superficial e de nível questionável, concebida com intuitos desprovidos de bom senso e incapaz de libertar-se do remoinho discursivo, e aquilo que muitos sentem e vivem em cada instante.

O Estado da Região debatido durante cinco horas não é o que nos dá futuro, sossego e esperança. Aliás, a última catarse antes das desejadas férias e dos merecidos momentos de lazer, comprova a tese que faltou estabelecer compromissos e calendarizar intervenções decorrentes de nova crise económica instalada num País a arder e fustigado pelos efeitos da guerra, mas que mesmo assim se revela atento ao que aí vem. Marcelo Rebelo de Sousa, que é tanto criticado por gostar de aparecer, não esconde que “a inflação e o aumento do custo de vida, o aumento do custo da energia e, naturalmente, também, as medidas tomadas contra a inflação, através da elevação dos juros, criam uma situação muito difícil para famílias e para empresas no nosso país”. Por aqui, o mesmo assunto passou ao lado, entre acusações de embustes e hipocrisias, engenharia estatística e alvos predilectos.

Os estados de alma, que deviam contar pouco para as equações que implicam decisões arrojadas, tendem a sobrepor-se à gestão colectiva, promovendo protagonistas indesejados e colocando no centro das atenções caprichos pessoais, o que para além de não resolver problemas comuns, perpetua reverências infundadas, estatutos inconsequentes e mediocridades delirantes.

O amuo, o ódio, a calúnia e a inveja, bem como as convicções alicerçadas em palpites e as decisões arquitectadas já a pensar nas Regionais de 2023 são dispensáveis, mas continuam a impedir rasgos de lucidez a quem tem como missão cuidar da causa comum.

Mal vai uma Região que acena com números empolgantes mas que encolhe os ombros num dossier que tem dado muito que falar mas pouco que fazer a quem devia resolver o problema crescente de falta de mão-de-obra em vários sectores da economia. Talvez porque muitos, entretidos com poses para as redes e ocupados em minuciar alienados, não pensam com seriedade em dar a volta à fatalidade. Importa saber como atrair trabalhadores para os sectores em que os profissionais escasseiam e para garantir a sustentabilidade de todo o sistema. Mas aumentar apenas o salário resolve o drama? Acabar com a subsidiodependência reinante não será um contributo? E que tal implementar campanhas de notoriedade de tarefas detestadas, tornando-as atractivas? Não será importante combater o trabalho precário ilegal? Não será determinante motivar recursos humanos para a flexibilidade dos horários? Não será interessante envolvê-los nas lógicas de produção e de compensação, nos objectivos e nos prémios que as empresas partilham?

Mal vai uma Região que neste estado não paga a quem deve a tempo e horas – os bombeiros do POCIR continuam sem receber! -; que tem governantes que mentem descaradamente; que tem opositores metidos em alhadas e que tem gente mais interessada em conspirar contra quem se mexe do que a intervir de forma objectiva em nome do interesse público.

Mal vai uma Região que de quando em vez finge ser paraíso para não ter chatices, mas que é incapaz de começar a resolver dramas que derivam do aumento substancial do consumo de estupefacientes, da criminalidade declarada, dos esfaqueamentos cíclicos, da pedincha abusiva e de outros comportamentos marginais, sem que haja polícia por perto e mão pesada em perspectiva.

Mal vai uma Região como a nossa em que cada um faz o que quer para salvaguardar interesses pessoais sem olhar a meios e sem respeitar terceiros. Há até quem ouse comprometer tradições com base em suposições. Querer acabar com o fogo-de-artifício nos arraiais é apenas um episódio de uma novela interminável.