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"Grande problema no mundo muçulmano" é a "ignorância maciça"

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Mohamad Jebara, autor do livro "Maomé: O profeta que transformou o mundo", agora publicado em português, considera, em entrevista à Lusa, que o "grande problema do mundo muçulmano" nos dias de hoje é a "ignorância maciça".

Durante a sua estadia em Portugal, por ocasião do lançamento do livro que aborda a vida do profeta numa visão mais histórica que religiosa, o investigador do Islão considera Maomé uma "inspiração" e que se este vivesse nos dias de hoje ficaria desapontando com os ataques terroristas, já que há muito desconhecimento sobre a sua vida.

"Quando escrevi o livro decidi que qualquer parte que requeresse fé não iria incluir", ou seja, "não iria falar de anjos e milagres porque isso não é história, é fé" a "vida do profeta não precisa de todos esses embelezamentos", começa por explicar Mohamad Jebara.

No livro, que conta com mais de 300 páginas, editado agora em português, Maomé é descrito como um pacifista, preocupado com os direitos humanos, a igualdade e contra a escravatura. O que contrasta com as posições mais radicais do mundo muçulmano.

"Infelizmente, o grande problema que temos no mundo muçulmano é ignorância maciça", afirma Mohamad Jebara, quando instado a comentar o tema, salientando que "a maioria dos muçulmanos não leem, não fazem pesquisa, o que é muito infeliz".

Isto "porque estamos a falar de uma religião que pôs tanta ênfase no conhecimento e na aprendizagem", aponta o escritor, com pouco mais de 40 anos.

"Quanto aprendemos passamos a ter mais perspetivas e essa é uma diferença", prossegue, sublinhando que a Idade de Ouro Islâmica [também conhecida como Renascimento Islâmico] "é uma Era de ouro universal, em que as pessoas estavam a trabalhar em conjunto, estavam a partilhar conhecimento e havia a habilidade das pessoas em mudar ideias".

Na opinião de Jebara, se Maomé fosse vivo agora encontraria o mundo muçulmano numa fase de "estagnação" como na altura em que viveu.

Escrever sobre o profeta, diz, "é muito desafiante", mas também "muito complicado", porque se por um lado as pessoas vão considerar que não foi escrito de uma forma "suficientemente sagrada", outros considerá-lo-ão "demasiado humano" ou "demasiado perfeito".

Por isso, "quando escrevi o livro não estava preocupado com aquilo que as pessoas pensavam, de um ser humano perfeito e divino, o que quis foi compreender quem é este homem, tentar compreender a humanidade desta pessoa e, claro, no fim do dia é uma pessoa que passei a minha vida a tentar compreender" porque "foi-me dado o seu nome", explica.

"O que compreendi através da investigação sobre ele e de tentar perceber os seus ensinamentos foi que é muito humano como todos nós, sofreu imenso", ficou órfão muito cedo, teve de lidar com a morte dos seus filhos, em suma, "passou por imenso sofrimento e dor, mas sempre manteve um sorriso apesar disso tudo", argumenta Mohamad Jebara.

E Maomé "tem muito a ensinar-nos hoje", em como "podemos transcender o conflito", sublinha, recordando que "muitas vezes ele fez compromissos para não haver conflitos".

Por isso, "acho que podemos aprender alguma coisa [com ele] no mundo moderno", nomeadamente "como podemos ignorar o nosso ego e evitar que pessoas sejam mortas sem qualquer motivo", já que o profeta "procurava a paz".

Questionado se com este livro espera que as pessoas mudem a visão do mundo muçulmano, muitas vezes marcado por ataques como é o caso do Charlie Hebdo, Jebara assume que sim.

"Todas as culturas têm os seus problemas, a suas dificuldades, mas parte de mudar a narrativa é educar as pessoas e acho que o grande problema que temos -- e temos pessoas a serem violentas, a reagir violentamente, é olhar para o exemplo. Quando o profeta Maomé era vivo ele foi insultado, as pessoas diziam coisas desagradáveis e ele não disse: 'Vão e matem-nos ou magoem-nos'", mas em vez disso "era muito respeitoso", salienta.

Infelizmente, afirma, as pessoas fazem "coisas muito negativas em nome do profeta, tal como o fazem em nome de Jesus ou em nome de Deus".

Isso tem sido feito ao longo da História e "o que precisamos de fazer é mudar a narrativa e a única forma para mudar a narrativa é educar as pessoas", defende o antigo imã chefe no Canadá.

"Essa é a parte mais importante, educar as pessoas é ajudá-las a mudar a mentalidade", diz, sublinhando que só assim é possível ultrapassar o radicalismo em nome de Deus.

Através do conhecimento, "destes livros, vamos fazer a ponte e deitar abaixo as paredes porque, infelizmente, o grande problema que temos é tanta ignorância, não leem, não fazem investigação", reforça o escritor, recordando que Maomé aconselhava a não agir e a não falar quando se estava zangado.

Além do "retrato íntimo" de Maomé, a obra contém fontes sunitas e xiitas, o que é considerado uma inovação neste tema.

"Só olhando para as diferentes fontes e pessoas que viveram a experiência" na época é que "temos uma visão holística e uma visualização dimensional livre do retrato e é por isso que é um retrato íntimo porque estamos a olhar para a sua vida do ponto de vista de várias pessoas", argumenta.

Com este livro "espero que os meus leitores aprendam a ter uma diferente perspetiva, olhar para o mundo de uma maneira diferente", afirma.

Mas, o mais importante, é "olhar para a vida do profeta Maomé" e ver como ela é "bastante inspiradora", porque apesar de "cheia de dificuldades e turbulências", ele conseguiu "ser positivo" e essa "é a maior lição" dele, destaca.

"É assim que a vida é, há tantas coisas que não conseguimos controlar. É um profeta inspirado por Deus, mas ainda assim sofre, é uma experiência humana", salienta, destacando Jesus, Nelson Mandela ou Gandhi entre algumas das pessoas com diferentes origens cuja suas vidas também servem de inspiração.

O livro ficou pronto à quarta vez e levou seis meses a ser escrito.

"Basicamente estudei durante 26 anos até começar a fazer o livro, estudei enquanto era professor, a forma como estudamos é memorizar tudo, foi tudo de memória, portanto quando comecei a escrever o livro não consultei nenhuma fonte", refere, apontando que a parte "mais difícil" foi condensar 6.000 páginas e notas para as atuais cerca de 300.

"No que respeita o profeta Maomé, as pessoas têm uma certa perceção do que pensam do que ele era ou é ou sobre o que Islão é, e o que eu estou a tentar mostrar é: 'Vamos regressar às fontes iniciais e reconsiderar o que realmente aconteceu'", diz, salientando que quando uma história é contada, esta vai sendo mudada com o tempo.

Por isso, Jebara imergiu nas fontes iniciais e até fez o percurso de Maomé.

"Caminhei por ele onde caminhou", diz, adiantando que consultou fontes antigas árabes e traduziu para inglês tendo em conta o que a "língua original transmite" para ser possível "compreender a mensagem".

Agora o livro seguinte, que já está "a meio", chama-se a "Vida do Alcorão", uma biografia do livro sagrado do Islão.

Mohamad Jebara assume-se como uma "pessoa normal" que, depois de 26 anos como imã, tendo ensinado "mais de 40.000 estudantes" em todo o mundo e escrito vários livros académicos, agora passa a maior "parte do tempo" a criar os seus filhos, a escrever, a fazer consultoria, mas também a ir ao ginásio, onde passa duas horas por dia.

"Adoro desporto e adoro ler", sublinha, com um enorme sorriso.

Sobre o que aprendeu ao escrever a biografia de Maomé, remata: "Aprendi que há tanto mais para aprender".