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A diáspora digital da Madeira

Nos últimos tempos a política anda encharcada de vocábulos relacionados com a transição digital e todo o léxico encadeado da semântica tecnológica da desmaterialização de procedimentos, e do advento da economia digital como o novo maná, que trespassa as barreiras físicas, sem a castração dos parcos ganhos de escala, que a periferia geográfica ferreamente impõe, sobretudo aos pequenos territórios insulares de monocultura.

Se nos lembrarmos do saudoso computador “Magalhães” e do enorme flop em que se tornou na governação do (não menos) saudoso Sócrates, logo nos assola um sentimento de desconfiança quanto a estes latejos tecnológicos, quando a montante, há que ter uma comunidade motivada, bem como, toda uma estrutura básica de suporte, quando ainda subsistem casas e escolas onde a chuva cai, e o frio reclama mantas no Portugal profundo. Para não referir a via-sacra dos licenciamentos urbanísticos, da extrema burocratização e inércias públicas de que o Estado está cronicamente enfermo, como é disso outro exemplo, o vergonhoso pináculo da justiça portuguesa que emperra a vida do povo (a que devia estar em sua demanda). A pandemia exumou o pardacento ensino à distância, e o teletrabalho como reconfiguração forçada do paradigma laboral, mas, a rigidez e o conservadorismo dos procedimentos parecem falar mais alto, à medida que a poeira da pandemia assenta, numa (aparente) contradição com a propalada transição digital.

A Madeira, que se quer assumir como um “hub” tecnológico, para superar a sua natureza arquipelágica e alocar uma geração qualificada (filha da Autonomia), para alavancar a internacionalização da sua economia muito dependente do setor turístico enquanto não detém mais autonomia fiscal, busca a sua oportunidade neste devir digital enquanto mundo reconfigurado de novas oportunidades.

Em certa medida a atratividade que a Região oferece não é muito distinta daquele fascínio que exercia no século XIX, quer pela fama terapêutica-sanitária, ou das frondosas idiossincrasias locais que alavancaram os ciclos económicos do açúcar e do vinho enquanto entreposto comercial ancorado no oceano. A globalização das rotas marítimas entre ambos os hemisférios das potências colonizadoras, para com as suas parcelas das américas e das áfricas, faz-se hoje com a internet, e uma boa estrutura de comunicações. Apesar de já cá não aportarem enfermos e abastados europeus estrangeiros, atraímos novos residentes de alto rendimento que animam o mercado habitacional, mas repelem os residentes da terra, tornando-o proibitivo, empurrando o grosso das populações para a periferia. E não se está a falar necessariamente em ricas propriedades ajardinadas das quintas com casinhas de prazeres. Daí as bem vindas parcerias corretoras das políticas regionais de habitação vigentes advindas do PRR, para contrariar os exemplos de aridez de oferta acessível, como sucede noutras grandes cidades. A velocidade regenerativa do devir tecnológico a períodos médios de 18 meses, impele-nos a não a navegar à bolina com medo de Adamastores, mas a correr incessantemente sobre a água, para não nos quedarmos apenas à tona, e perdermos a oportunidade da metamorfose de evoluirmos dum simples ponto, para um marco neste oceano comum e encolhido de velozes interconexões.

Os nómadas digitais que se fixam animando também a economia local, desfrutando de todo o ecossistema paradisíaco da ilha (sobretudo as tecnologias de informação disponíveis), são também eles, filhos pródigos desse advento digital de espíritos desenraizados. Resta saber se as gerações qualificadas autóctones que estamos a formar, serão elas também aliciadas para a nova diáspora digital no exterior, ou, se conseguiremos as atrair suficientemente para as mantermos aqui, competindo no mercado global com rendimento compatível e assim nos desafogarmos das grilhetas deste Atlântico periférico.

As ambições são enormes, tal como o desafio. Não sei se conseguiremos nos elevar à leveza da “nuvem”, a partir deste rochedo fixo às profundezas atlânticas. Contudo para já estamos a nos superar à babugem, e isso, é um bom auspício.