Análise

Entretidos com o umbigo

Escandalizamo-nos com insignificâncias e toleramos atrocidades. E como muitos sabem dessa propensão para a superficialidade – porventura decorrente da iliteracia em vários domínios do saber - ensaiam manobras destinadas a implementar distracções. Fazem-no com a convicta esperança que os golpes de asa passem despercebidos, que os negócios com défice de transparência prosperem e que os fundamentalismos ganhem lastro. Fazem-no com vírgulas a mais nos textos de letra miudinha, com a cobertura institucional dos que disfarçam incompetências e a contar com a irritante demora da justiça. Fazem-no confundindo as investigações, semeando o pânico e confiantes que os jornalistas não terão tempo, nem arte, para a devida verificação das narrativas.

O País passou a semana a discutir a vergonha de ter partidos cúmplices da ilegalidade e das leis eleitorais anedóticas, o que ditou a anulação das eleições no círculo europeu e adiou tomadas de posse e o próprio País, quando devia ter sido mais severo com os prevaricadores. Deliciou-se com o “comportamento ameaçador” de Bruno de Carvalho para com uma outra concorrente do programa ‘Big Brother’, com a expulsão daquele que a Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito na sequência de uma denúncia por violência doméstica e com os disparates e comentários decorrentes do lixo televisivo, em vez de fazer um cerco cruel aos que atentam contra a dignidade humana e os que promovem o baixo nível social ao abrigo da guerra das audiências. Perdeu-se nas considerações sobre a acusação de terrorismo que recai sobre um jovem que tinha um plano para matar colegas de faculdade, mas não tratou dos desequilíbrios que os diversos sistemas provocam nos cidadãos. Queimou horas em operações de branqueamento de agressores, suplicando clemência para os delinquentes que o futebol produz, tornando brando o castigo.

A Região não fez por menos e esteve entregue a comediantes que, na ânsia de aparecer a todo o custo, perderam a noção do ridículo. Com uns a fazer pela vida, a alimentar vários níveis de especulação ou a queimar expectativas e estratégias dos seus mais próximos. Com outros a plantar árvores como se fossem para a missa, a minar relações na presunção de ganharem poder acrescido ou até a justificar desatenções notadas na madrugada em que a terra tremeu. E com gente poderosa a considerar que a oposição padece de “esclerose executiva”, sem reconhecer que em seu redor, há uns quantos a ganhar fortunas e outros a facturar 5% em negócios onde alegadamente exercem influências sem mexer uma palha. Os que empatam investimentos, os que gerem mal a coisa pública, os que bloqueiam a criatividade, os que não assessoram coisa nenhuma, e os que gozam com quem trabalha são o quê?

Enquanto injectam a anestesia, perspectiva-se o caos financeiro em muitas das famílias que fazem contas a todos os cêntimos, mas que em breve, por via da subida da taxa de juros, da inflação e dos custos da seca prolongada passarão privações e, mais uma vez, ficarão à margem.

Enquanto impera a encenação, há deputados da República que não trabalham desde Novembro, mas recebem uma pipa de massa por suportarem o ócio sem protesto e por se dedicarem com empenho à contemplação do umbigo.

Enquanto fomentam a pausa democrática, não há nova legislatura na República, nem governo, devido à trapalhada que desrespeita os votos expressos pelos emigrantes, com impactos desastrosos nas finanças de municípios e regiões.

Enquanto dura a asneira, a Região assume 12 milhões de euros do passivo do Madeira Tecnopólo com toda a naturalidade e em nome do “desenvolvimento da economia madeirense”, sem esboço de protesto político; as Câmaras colocam-se à margem da concorrência e evitam concursos públicos, sem qualquer reparo; 400 alunos que foram finalistas da Madeira em 2020 são roubados publicamente sem que ninguém vá à mão dos burlões.

Enquanto o tempo passa, a alienação agiganta-se. Viva a promoção do financiamento de capital de risco para projectos inovadores numa terra em que há inveja das novas ideias. Viva a festa do limão porque a da anona não tem fruta que justifique o cartaz. E viva as viagens baratas que nos colocam em Lisboa por seis euros. Dias virão em que o melhor mesmo é fugir do pântano insular.