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Paz não é ausência de guerra

A invasão da Rússia à Ucrânia veio colocar um termo à era de paz que vivíamos na Europa. Putin é daquelas poucas pessoas que não gostam dos acordos de paz assinados no final da segunda guerra mundial, nem da desagregação da União Soviética no Pós-Guerra-Fria. O mundo era muito mais violento há cem anos. Como as guerras foram saindo da nossa memória histórica, quando surgiu a invasão da Rússia à Ucrânia, os focos foram todos apontados para este conflito. Esta atenção é naturalmente devida, pelo receio de uma escalada no conflito e dos seus possíveis efeitos nas nossas vidas. Os impactos já estão a acontecer, não no sentido bélico, mas no económico. As sanções à Rússia e a sua contraofensiva, já fizeram aumentar os preços dos bens alimentares e da energia, sendo que a inflação na zona euro já ronda os 9% e em Portugal os 7%.

Ao que parece, Putin quer recuperar o império perdido na Guerra-Fria. Desde 1945, a grande maioria dos impérios europeus optaram pela via da paz. Em geral, o colapso imperialista foi relativamente calmo, suave e ordenado. No caso inglês por exemplo, tínhamos um império que em 1945 governava 25% do mundo, mas 40 anos mais tarde já só governava algumas ilhas. Durante estas 4 décadas, na grande maioria das suas colónias, a opção foi por uma retirada pacífica e ordenada. O caso francês foi um pouco mais sangrento, mas França acabou por se retirar, deixando para trás estados relativamente bem organizados. No caso soviético, a desagregação teve início em 1989 e provocou grandes conflitos étnicos nos Balcãs, no Cáucaso e na Ásia central. No entanto, nunca um império tão grande, dominado pela força e pelo medo, desapareceu de uma forma tão pacífica. Com a exceção do Afeganistão, o império soviético nunca sofreu derrotas militares, rebeliões, nem desobediência popular, mesmo detendo um exército enorme, com um armamento poderoso e um arsenal nuclear capaz de destruir uma grande quantidade de nações. Se Michael Gorbachov tivesse dado ordem, o exército vermelho não hesitaria em abrir fogo sobre as regiões subordinadas. No entanto, as elites soviéticas e o governo comunista escolheram a via da paz quando perceberam que o comunismo falhara os seus objetivos e estava em banca rota. Gorbachov desistiu sem lutar, não só das conquistas soviéticas resultantes da segunda guerra mundial, mas também das conquistas czaristas anteriores do báltico, da Ucrânia, do Cáucaso e da Ásia central.

Putin vem agora desafiar a paz no mundo simplesmente porque pode. Como afirma Yuval Haari, a paz não é a ausência de guerra, mas sim a sua impossibilidade. Antes da invasão da Rússia à Ucrânia, ninguém pensava num provável cenário de guerra em grande escala. Também ninguém pensou que este impasse durasse tanto tempo, pois acreditávamos num exército russo forte e organizado, que acabou por se revelar desorganizado e ineficiente. O único fator que está a segurar uma guerra em grande escala é a capacidade nuclear das grandes potências. Por um lado, a Rússia e a China, e por outro lado as forças da NATO, cujo verdadeiro poder reside nas mãos dos Estados Unidos da América. Todos sabem que um escalar deste braço de ferro entre a NATO e as fronteiras ucranianas pode ter um fim dramático, que cairia inevitavelmente numa guerra nuclear e significaria um suicídio coletivo de nível global.