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Espero que o sol brilhe para ti

A caridade é vida, é serviço, é esperanto, é carinho, é comunhão, é envio, é mensagem, é esperança e é testemunho

“Os grandes homens avançam para Deus, não isolando-se e afastando os olhos da miséria da Terra, mas levando piedosamente no coração toda a miséria da humanidade e todas as angústias da Natureza. Os grandes homens quando sobem, ajudam, progridem, dando a mão, libertam-se, libertando.” - Guerra Junqueiro

Felizes são os que sabem dar com inteligência e amor. São fortes os que acreditam e querem construir. Sejamos espíritos fortes nesta década de medíocres. Viver é ajudar a viver. Viver o amor à família implica e impõe o respeito pelos outros lares. Sejamos heróis cintilantes nesta sociedade e numa era de aridez espiritual e sol sáfaro. A memória dos justos permanece indelével, perene e imorredoura. Querer é um verbo terrível. A vontade é o homem. Bendito seja todo aquele que é para o seu próximo um esteio e um reduto.

Quem se quiser salvar, há-de salvar os outros. As crianças são bens eternos. Quanto mais pobre e abandonada, mais valor ela tem. Aprendi que há outras existências, as dos humildes, maiores que a nossa. E vi Deus. Como disse Raul Brandão, “há dias em que a gente se sente responsável por todo o mal que se faz na terra”. Não é já por palavras que os homens se convencem. Arrebatam-se com exemplos. Com efeito, a crítica mais perigosa é precisamente a que sai dos homens bons e justos. Pensa-se que o Evangelho faliu quando na verdade os cristãos é que faliram. A religião é uma fábula e Deus um mito. Ser homem é sentir, ao colocar a sua pedra, que se contribui para construir e edificar o mundo.

Acredito que as grandes causas, indispensáveis à construção de uma sociedade mais humana e fraterna, necessitam sempre de gente que saiba cultivar a gratuidade e a caridade como ideal de vida. É essa gente que faz história. Toda a visão economicista da vida, como garantia única do futuro, é o caminho mais rápido para o empobrecimento das pessoas e da sociedade. Há valores que não resistem ao tempo e valores que nenhum tempo desgasta. Quando se levantam, a cada esquina, os ídolos do ter e do poder, custa muito a entender os valores do voluntariado e da caridade. Perdeu-se o caminho do céu. Ninguém constrói nem vive para o futuro. Egoísmo, egoísmo e egoísmo. Individualismo, individualismo e individualismo. Egolatria, egolatria e egolatria. Nunca se viu como nos nossos dias tantos homens a gemer debaixo do maior de todos os enganos – o dinheiro. É por isso que há muitas pessoas físicas e morais que não produzem obra séria por via da abundância desmedida de fundos. Vivem submersos e, quase sempre, acabar por morrer inundados por riquezas nababescas, enquanto milhões de crianças famelguitas morrem exangues. Até quando? Estar em toda a parte onde há bem a fazer. Eis o nosso lema. Nós somos refrigério e lenitivo. Nós queremos ser esperança. O aforismo contém uma verdade indiscutível. Porque será que Deus dá nozes a quem não tem dentes? Na solidariedade, muitas vezes, esse acto esgota-se no momento em que se dá. Ela apenas nos inquieta. Porém, na caridade, há uma inquietação permanente, há a dimensão de cuidar do outro com espírito evangélico. Na caridade, em resumo, “Se tu sofres, isso dói-me. Eu sinto-me mal e sofro”. Amar na dor e na desgraça é uma das leis mais supremas da vida. O amor é o grande agente que democratiza e nivela os homens. Destrói as barreiras que separam as castas. Revela a essência que a todos igualiza e torna irmãos: os ricos e os pobres, os grandes e os humildes. Une os homens todos juntos, congraçados, numa só família com laços que não doem nem ferem. O maior benefício que o homem pode prestar à humanidade será, sem dúvida, descobrir as leis que regem o mundo moral das almas. Entre as mais importantes dessas leis destaca-se a lei da generosidade magnânima. Os homens e as mulheres que mais têm contribuído para o bem-estar comum, os que rasgaram novos caminhos de luz nos matagais sombrios de erro e da maldade, e trazem os seus nomes gravados na enteléquia e nos corações dos irmãos, não são aqueles que ficaram parados, a contar o custo do trabalho, do arroz e do sacrifico, mas sim, os que se sacrificaram pela felicidade do próximo, desprezaram os sofrimentos e só lamentaram não ter mais sangue nas veias para dar ao seu irmão. Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. Hoje em dia, ser plenamente humano implica participar activamente no moldar das nossas vidas, no moldar das nossas comunidades, modificar o presente e rasgar novas pistas para o futuro. Hoje mais do que nunca ser solidário é partilhar. A vida, a fé, os bens materiais e espirituais, todos os recursos. Dar é venerar. A caridade é assim. A caridade é vida, é serviço, é esperanto, é carinho, é comunhão, é envio, é mensagem, é esperança e é testemunho. A caridade é e deve ser, principalmente, uma actividade de promoção humana, alívio das misérias, escola de civilização, estímulo à cultura, factor de justiça e de bem-estar em prol dos membros da nossa comunidade e do mundo em geral. A caridade em sentido cristão é muito mais do que uma simples concordância ou dependência entre homens, ou uma mera simpatia pelos mais fracos. A caridade cristã tem uma profundidade e uma textura humana mais ampla e libertadora. Tem de concretizar-se numa partilha efectiva aos vários níveis, com outros povos, culturas e comunidades. Tomar consciência dos problemas, olhá-los com consciência crítica iluminada pelos valores humanos, empreender pequenos e grandes gestos de solidariedade e de partilha, são alguns dos caminhos que o cristão deve trilhar com perseverança, desvelo, labor, decisão e coragem. Afinal, como indica o Antigo Livro, “Quando o pequeno se, o Grande se aproxima. Quem é verdadeiramente bom vê dissolverem-se as preocupações pelo futuro e faz a cada minuto, com perfeita serenidade, o que percebe ser melhor para si e para o mundo. Preocupa-se, mas não de abala com o aparente caos que o cerca. No silêncio do coração, sabe e confia na luz do mundo que está por vir”. Como disse Albert Einsten, “A nossa tarefa deve ser libertar-nos da prisão pela ampliação do nosso círculo de compaixão, para abranger todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza”. Todos nós temos que lutar contra todos os arcaísmos do mundo.

Temos de estar vigilantes para não desperdiçar energia com atitudes individualistas, pois cada um de nós é necessário e poderá até ser imprescindível nesta fase de transformações vividas em todas as partes do mundo. São poucos, é verdade, mas há homens e mulheres que são uma luz na escuridão e nas trevas do mundo.