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Na Serra de Água há “poucochinhas crianças” e muitas veredas abandonadas

Na freguesia interior do Concelho da Ribeira Brava lamenta-se a pouca juventude dos fregueses e as muitas veredas intransitáveis por estarem votadas ao abandono

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Quase tapado pelo molho de verdura que carrega para alimentar “os bichos”, Manuel Trindade dá conta que a vida na Serra de Água “muito fácil não está, mas já se sabe como é…” diz, enquanto aproveita a pausa para tomar fôlego e prosseguir a caminhada até ao sítio da Travessa.

Para este freguês “faz falta muita coisa” na freguesia menos populosa do concelho, mas quando desafiado a apontar o que faz falta, mostra-se comedido no ‘rol de reivindicações’. “Faz falta mais uns pedacinhos de veredas por aí, e também a limpeza das veredas, que estão sujas”.

Reformado da construção civil e a receber “uma coisinha da reforma”, passa agora os dias a “cuidar da fazenda” e das “cabrinhas”, porque parar é morrer. Mas a vida na lavoura é exigente. “Isto é de manhã à noite”, reforça debaixo do ‘camuflado’ de plantas que carrega.

Sobre a freguesia, diz apenas “aqui vive-se mais ou menos. Importa é ter saúde para poder trabalhar”.

Na zona mais interior da freguesia, junto ao entroncamento para a Ribeira do Poço, Manuel Ascensão conclui que “é sempre a mesma coisa. Isto nunca muda”. O que gostava de ver mudado? “Não lhe posso dizer nada”, respondeu. Homem de pouca conversa, apenas diz que o pessoal da Junta de Freguesia “são umas boas rolhas” e lamenta que não tenham colocado varanda em redor da canalização do córrego que passa mesmo ao lado da casa.

“Andaram aqui a arranjar a muralha e nem sequer umas varandas se meteram ali. Em todo o lado por aí, para baixo e para cima, meteram varanda. mas aqui nada”, lamentou.

Mais acima, na antiga escola do Lombo Moleiro, agora convertida em Centro de Convívio, estão alguns jovens. Rodrigo Freitas, de 22 anos, vem à rua falar à nossa reportagem.

“Aqui por acaso até vive-se bem. É um sítio calminho, mas já foi muito menos calmo que agora. Mas agora está bom”, conclui. O único reparo é para o estado da estrada municipal que serve o sítio, que diz estar a ficar velha.

Quem também se queixa da velhice é Domingas Pestana. Com “86 anos feitos”, encontramo-la à beira da estrada na companhia de duas crianças, ambos sobrinhos.

Uma raridade, ao confirmar que actualmente há “poucachinhas” crianças. “Antigamente aqui estava cheio de gente, agora é quase em nada. Os mais velhinhos morrem, os outros, os mais novos, foram para fora… Passa-se dias que não falo com ninguém”, admite.

Com uma vida dedicada ao “trabalho duro” na agricultura, diz que agora “já estou velhinha, já não posso. Ainda trabalho uma coisinha para não parar”. Resignada à vida que teve, lembra que “bem ou mal, foi aqui que nasci”. A octogenária só pede “paz no mundo e graças a Deus. É isso que a gente espera”.

Na parte mais alta da freguesia interior, os primos Manuel e Francisco Gouveia aproveitam a sombra do alpendre da taberna para colocarem a conversa em dia.

“Não temos nada” é a resposta quando se pergunta como é viver na freguesia.

Manuel aponta para uma obra sobranceira ao centro da freguesia para fundamentar a crítica. “Aquele caminho era para já estar feito no tempo do Luís Mendes (primeiro presidente da Câmara da Ribeira Brava), mas só agora estão lá fazendo aquela foçada. Estão a fazer um mirante sem ser preciso. O que é para fazer não fazem”, acusa.

Critica também o estado de abandono de muitas veredas antigas que ‘desapareceram’ do mapa, abafadas pelo mato. Com dinheiro comunitário e turismo a querer explorar as antigas veredas, não entende a falta de interesse. Dá o exemplo da levada da Achadinha à Cova do Til: “mondaram uma parte e a outra parte está por mondar e ninguém pode passar. Está cheio de silvado. Da Eira da Moura à Furna também já ninguém vai lá. As vereadas estão tapadas. Tá cheio de erva”.

Francisco reforça o desagrado. “A freguesia tem muita coisa que está mal feita. Não é só as veredas por aí acima que está tudo tapado. Estão gastando milhões acolá num miradouro para o [sítio do] Pomar. Ainda se fosse aqui, no Lombo, junto à estrada regional, que é onde pára o turismo, isso sim, mas ali onde estão fazendo é dinheiro mal empregue. Não acho correcto. Há outras coisas mais necessárias de fazer aqui na freguesia”, reclama.

Manuel queixa-se ainda da falta de médico no Centro de Saúde. “Antigamente tinha-se dois médicos, mas agora tem só uma doutora. Para ter uma consulta é ao cabo de seis meses. Está mal”, concretiza.

Mais do que falar da freguesia, Agostinha Santos prefere falar de si. “Eu cá se não trabalho, não como”, começa por dizer para logo acrescentar: “o meu trabalho é a foice e a enxada e tratar de ovelhinhas”.

Chegou e estar emigrava na Venezuela, mas passados quatro anos regressou “para a terra das couves. Não gostava daquilo”, justifica.

“Vim para aqui para cuidar dos meus pais e também para cuidar do que é meu”, concretiza.

Garante que “agora não é nada” trabalhar na agricultura, quando comparado com antigamente, que até para a serra iam cortar mato e semear trigo.

Olhando o vale que envolve a freguesia, lembra que no passado “era tudo aproveitado. Agora está tudo abandonado. Eu também tenho [terreno] abandonado porque já não posso”, concretiza.