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Bastonário dos advogados critica abusos constitucionais na pandemia

Menezes Leitão invocou os "habeas corpus" (pedidos de libertação imediata) de pessoas que foram obrigadas a permanecer fechadas em quartos de hotel

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O bastonário da Ordem dos Advogados criticou hoje a "invasão das competências de outros órgãos constitucionais" pelo governo durante a pandemia, nomeadamente durante o estado de emergência, durante a conferência 'online' "Advocacia em pandemia", que assinalou o Dia do Advogado.

No dia dedicado a Santo Ivo, padroeiro dos advogados, Luís Menezes Leitão apontou decretos-lei do governo que invadiram competências de outros órgãos constitucionais e que violaram a Constituição, referindo que foram criados decretos sobre violação do confinamento, situação que os tribunais rechaçaram e não validaram.

Menezes Leitão invocou os "habeas corpus" (pedidos de libertação imediata) de pessoas que foram obrigadas a permanecer fechadas em quartos de hotel, como, por exemplo, nos Açores, até que os tribunais se pronunciassem. Durante esse período, lembrou, tais pessoas tiveram que limpar o próprio quarto e receber a comida à porta, numa clara violação dos Direitos Humanos.

Para Luís Menezes Leitão tais situações criaram "perplexidade" à Ordem dos Advogados (OA) e convocaram os advogados a fazer o seu papel que é defender a Constituição e os direitos dos cidadãos.

"Não há razão de Estado que possa prevalecer sobre a Constituição", insistiu o bastonário, criticando os "abusos" legislativos do governo e alertando que os advogados devem estar "sempre vigilantes" em matéria de liberdades e garantias dos cidadãos.

Na mesma conferência, falou também Leonor Valente Monteiro, advogada e vogal da Comissão de Direitos Humanos da OA, numa intervenção centrada na defesa dos direitos fundamentais dos imigrantes e requerentes de asilo.

O problema do tráfico de seres humanos, a necessidade de assegurar a dignidade e a inclusão de quem foge de conflitos armados na Síria, Afeganistão e Eritreia ou é perseguido por motivos étnicos ou religiosos foram alguns dos aspetos abordados pela advogada do Porto, que, segundo o seu currículo, já venceu o "Prémio Lopes Cardoso" instituído pela OA.

Outro dos oradores da conferência foi o advogado e antigo candidato a bastonário Luís Filipe Carvalho, que falou sobre o impacto da pandemia na taxa de resolução e entrada de processos nos tribunais, bem como no adiamento de 64 mil diligências motivadas pela suspensão dos prazos processuais durante a fase mais aguda da pandemia de covid-19 em Portugal.

Segundo Luís Filipe Carvalho, o "legislador não esteve à altura" dos desafios, mas a resposta dos operadores judiciários, incluindo advogados e funcionários judiciais (atualmente em greve parcial) foi positiva face à "pressão sobre o sistema judiciário e à necessidade de recuperação de diligências processuais, apesar dos riscos sanitários que estes profissionais (não vacinados) enfrentaram os tribunais".

No Dia do Advogado, Luís Filipe Carvalho alertou ainda para a situação debilitada em que se encontram os tribunais, não só em termos de instalações, mas também no domínio da logística.

O advogado admitiu que com a pandemia "vai haver mutações no exercício da advocacia", através das novas formas de teleconferência e outros meios telemáticos, e anteviu que o pós-confinamento vai trazer uma "crise social, laboral, imobiliária", com efeitos na questão do crédito, da insolvência e na saúde mental dos portugueses e dos profissionais que lidam com a justiça.

Luís Filipe Carvalho alertou ainda que o fim das moratórias vai ter implicações na questão das ações de despejo por falta de pagamento das rendas e outras dívidas contraídas pelas pessoas durante a pandemia e o abrandamento da economia.

"Haverá também uma explosão do número de processos em consequência do novo desconfinamento, mas essa explosão (processual) será diferente da crise de 2011, pois terá uma natureza mais transversal e levará a um aumento da litigância" nos tribunais", concluiu.