Crónicas

«E se fosse eu? Fazer a mochila e partir»

Entre as múltiplas medidas contempladas pelo programa há algumas que não abrangem as Regiões Autónomas

Entre as múltiplas medidas contempladas pelo programa há algumas que não abrangem as Regiões Autónomas

Em 2016, no exercício das minhas funções docentes, aderi à iniciativa «E se fosse eu? Fazer a mochila e partir» proposta pela Plataforma de Apoio aos Refugiados, em colaboração com a Direção-Geral da Educação, o Alto Comissariado para as Migrações, e pelo Conselho Nacional de Juventude. Com o objetivo de sensibilizar as crianças e jovens em relação a pessoas refugiadas, era proposto que imaginassem o que escolheriam para pôr na única mochila que podiam levar consigo, o que consideravam absolutamente essencial para recomeçarem a vida num outro lugar. Cada aluno/a tinha de justificar as suas escolhas.

É um exercício de empatia que procura colocar-nos no lugar de pessoas que têm de fazer escolhas difíceis. E temos pessoas que chegam à nossa Região nesta condição de empacotar rapidamente a vida numa mala e partir. Muitas regressam ao lugar de onde partiram em tempos – ou de onde os seus familiares partiram. Nem todas as pessoas que regressam são refugiadas; muitas querem apenas regressar às suas origens. Mas todas partilham o mesmo horizonte: perante uma situação particularmente difícil, tiveram a coragem de arriscar e procurar uma vida melhor.

Foi a pensar nas pessoas que saíram de cá à procura de uma vida melhor em tempos angustiantes – e a pensar nas pessoas que vivem tempos angustiantes nos países para os quais emigraram – que o Governo Português traçou um programa de apoio ao regresso de trabalhadores e trabalhadoras portuguesas que tenham emigrado, com as respetivas famílias.

Este programa agrega várias medidas de incentivo ao regresso que são operacionalizadas através de várias áreas governativas, com vários objetivos e várias valências que também passam por revitalizar zonas do País menos povoadas. Entre as múltiplas medidas contempladas pelo programa há algumas que não abrangem as Regiões Autónomas. É o caso do apoio financeiro a emigrantes (ou familiares de emigrantes) que iniciem atividade laboral e os apoios complementares para comparticipação das despesas inerentes ao regresso, que diz expressamente que se aplica apenas a emigrantes e lusodescendentes que optem pelo território continental. Esta aparente injustiça acontece porque este apoio é tutelado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional e é financiado por fundos comunitários. Isto significa que o apoio está afeto a áreas da governação que estão regionalizadas, ou seja, tuteladas pelo Governo Regional. Isto significa que cabe ao Governo Regional desenvolver uma medida semelhante para emigrantes e lusodescendentes que decidam fixar-se na Região. Esta leitura é feita também pelo Diretor Regional das Comunidades e Cooperação Externa, Dr. Rui Abreu, que confirmou em declarações à comunicação social que «não se pode aplicar diretamente um programa criado pelo Governo da República, nesta área e nesta matéria diretamente à Região. Porque esta é uma matéria já regionalizada.»

Foi nesse sentido que o PS-Madeira defendeu na passada semana, na Assembleia Legislativa Regional, uma recomendação ao Governo Regional para a criação de um apoio extraordinário por forma a que as pessoas que optem pela Região tenham acesso a um apoio idêntico ao que é facultado no Continente. Este é por norma o procedimento: em matérias que dizem respeito a áreas tuteladas pelo Governo Regional, as medidas adotadas pelo Governo da República são depois transpostas para cá sempre que o Governo Regional e a Assembleia entendam que são benéficas para a Região.

Propusemos que o apoio fosse desenvolvido através do Instituto de Desenvolvimento Regional (que coordena e gere os fundos comunitários destinadas à Região), e gerido pelo Instituto de Emprego da Madeira, que é a entidade responsável pela coordenação e execução das políticas de emprego na Região e, como tal, responsável pela implementação de medidas ativas de promoção do emprego e abrangesse contratos de trabalho por conta de outrem ou a criação de empresas ou do próprio emprego.

Propusemos que o apoio fosse majorado em função de dois fatores: da dimensão do agregado familiar e da localização da atividade profissional em concelhos mais despovoados, como Santana, Porto Moniz, S. Vicente ou Porto Santo.

A proposta propunha também o direito ao reembolso de despesas com o reconhecimento de qualificações académicas ou profissionais quando necessário ao exercício da atividade profissional na Região. Muitas das pessoas lusodescendentes que optam por regressar à Região têm formação superior e seria sempre uma mais valia apostar-se no reconhecimento dessas competências, pelo que a condição financeira das pessoas que regressam não deve constituir fator de exclusão para esse reconhecimento.

A proposta ia ao encontro dos anseios das pessoas que escolheram regressar à Região, sem ferir os princípios autonómicos e a nossa soberania nas áreas em que as competências estão regionalizadas. Foi recusado pela maioria PSD/CDS, que concorda com o apoio, mas pago pelo Governo da República. Diz muito do compromisso que assumiram com os/as nossos/as emigrantes, muitos deles que regressam apenas com uma mala apenas com o que era realmente essencial. E se fossemos nós?