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Ser enfermeiro em tempo de pandemia

O erro, ou as carências em saúde, são minimizadas se forem “peneiradas” por diferentes profissionais com sentido genuíno de entreajuda

Alguns leitores acharão curioso que eu, médico, escreva umas linhas sobre o que é ser enfermeiro, em especial, nestes tempos inusuais de pandemia.

A resposta é imediata e simples. Talvez nunca como agora, a multidisciplinariedade em saúde é tão importante. E este tema é, com frequência, tabu, atendendo às quezílias que por vezes surgem entre classes profissionais, mais nas hierarquias do que com os profissionais no terreno.

O meu respeito pelos outros profissionais não deve assentar na contabilidade dos anos de experiência, nas iniciais antes do nome, ou no cargo que se ocupa na cadeia hierárquica. Aliás, nas sociedades abertas e sistemas de saúde competitivos, as batalhas por uma qualquer supremacia ou monopólio estão destinadas ao fracasso.

Hoje é frequente um paciente internado precisar do apoio de uma dezena de médicos de diferentes especialidades, para além de profissionais de diferentes áreas. Cada um deve fazer o seu trabalho dentro das balizas definidas para cada classe ou especialidade, no respeito pela otimização dos cuidados ao utente.

O erro, ou as carências em saúde, são minimizadas se forem “peneiradas” por diferentes profissionais com sentido genuíno de entreajuda.

Neste último ano ficaram evidentes as dificuldades dos sistemas de saúde e na enfermagem também. Mais de 25 mil profissionais de saúde tiveram Covid. Além do stress pelas incertezas inerentes a esta infeção e a necessidade de improviso constante, os enfermeiros estão mais expostos ao cansaço. As inexistências de dotações adequadas comprometem padrões de qualidade.

O trabalho por muitos anos em turnos, sem um padrão regular, deixa sequelas, seja nos ritmos de sono que condicionam Burnout, ao que se acresce as situações de Bullying cada vez mais frequente.

A (sábia) contratação de enfermeiros nos últimos três anos facilitou em muito o combate à pandemia. Tivemos de criar e recriar serviços e “hospitais Covid” e de reformular instalações e procedimentos. Para tal, são necessárias equipas experientes que não se fazem num mês e as equipas de gestão devem conhecer muito bem os profissionais.

Ficou evidente a qualidade do ensino de enfermagem em Portugal e na Região. Testemunho na primeira pessoa esta realidade pois, durante muitos anos, dei aulas de Traumatologia e Ortopedia a enfermeiros e esse mérito é amplamente reconhecido no estrangeiro.

O ónus que a pandemia teve sobre os lares foi enorme e colocou à prova os enfermeiros que lá trabalham. Estes profissionais foram também muito úteis nas equipas rastreadoras das cadeias de transmissão. Nas equipas de triagem em portos e aeroportos. Em escolas e centros de vacinação.

Aos médicos, aos enfermeiros e a todos os restantes profissionais, a população muito deve. E ficámos todos a saber que a saúde não pode ser gerida nos “mínimos”, como idolatrado nos anos da Troika. Vimos no ano passado que, em poucas semanas, tivemos que dar o “máximo”.

Tenho muito orgulho em ser médico, mas, tenho também a perfeita consciência que, serei melhor médico, quanto melhor e mais eficaz for a relação de trabalho com os meus colegas médicos, com os enfermeiros e restantes profissionais de saúde, no respeito de cada um. A entreajuda poupa recursos e otimiza respostas. Um bem-haja e que isto tudo passe rápido!